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Reconciliação em Fragmentos

  A luz suave do fim de tarde ainda dan?ava na janela, iluminando os tra?os desgastados, mas suaves, do rosto de Arata. Ele mantinha aquele sorriso pequeno, resignado, como se estivesse tentando deixar o peso do passado enterrado ali mesmo, na poeira suspensa no ar.

  Por mais que tentasse, eu n?o conseguia afastar o aperto no peito ao olhar para ele. Tudo o que ele havia compartilhado… as press?es, as feridas, as despedidas… ainda era difícil acreditar que ele carregava tanta coisa dentro de si.

  — Eu… — comecei, hesitante, enquanto escolhia cuidadosamente as palavras. — N?o fazia ideia de que tinha sido t?o difícil para você...

  Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, quase como um sussurro, mas a sinceridade estava ali, pendurada em cada palavra.

  Ele inclinou a cabe?a ligeiramente para o lado, como se ponderasse minha rea??o, antes de dar de ombros. O gesto foi casual, mas os olhos dele… carregavam um peso que sua postura descontraída tentava disfar?ar.

  — N?o se preocupe com isso! — Ele sorriu, um sorriso que parecia mais ensaiado do que natural. — é tudo passado agora.

  Houve uma pausa. Eu abri a boca para dizer algo, mas as palavras n?o vieram. Como eu poderia responder a algo assim? Parecia quase invasivo querer explorar mais a dor dele, como se estivesse cutucando uma ferida que ele finalmente havia come?ado a deixar cicatrizar.

  Mas foi Arata quem quebrou o silêncio, inclinando, novamente e levemente, a cabe?a para mim, o sorriso em seu rosto suavizando-se até se tornar genuíno, quase caloroso.

  — Quer saber de uma coisa engra?ada? — Ele apontou para a fileira de livros ao nosso lado. — Mesmo depois de tudo, eu acabei voltando a gostar de ler. N?o como antes, claro, mas o suficiente para me divertir.

  Fiquei surpreso, a express?o evidente no meu rosto.

  — Sério?

  — é. — Ele assentiu, rindo baixinho. — No fim, foi isso que me trouxe pra cá. Quer dizer, faz sentido, n?o é? Trabalhar cercado de livros, onde as palavras n?o exigem nada de mim.

  A maneira como ele disse isso parecia carregar uma leveza que contrastava com o que havia compartilhado antes. Mesmo assim, havia algo reconfortante em saber que ele tinha encontrado uma maneira de reconectar-se, mesmo que parcialmente, com algo que um dia significou tanto para ele.

  — Mas escrever… — Ele balan?ou a cabe?a, o sorriso assumindo um tom mais resignado. — Acho que isso ficou pra trás. Talvez eu esteja enferrujado demais, ou talvez... simplesmente n?o seja mais pra mim.

  — Nunca diga nunca. — A resposta escapou antes que eu pudesse pensar, mas n?o era só uma tentativa de motiva??o; era uma verdade que eu sentia profundamente.

  Arata soltou uma risada curta, mas havia um brilho nos olhos dele que indicava que minhas palavras n?o tinham passado despercebidas.

  — Talvez. — Ele deu de ombros novamente, mas desta vez, o gesto parecia mais leve.

  Antes que eu pudesse perguntar algo mais ou continuar a conversa, o som da porta da biblioteca se abrindo ecoou pelo espa?o silencioso. Ambos nos viramos instintivamente para a entrada.

  — Parece que finalmente temos um cliente! — Arata ajustou o avental com um movimento rápido, quase automático, enquanto caminhava em dire??o ao balc?o. Ele olhou por cima do ombro, lan?ando um sorriso casual na minha dire??o. — Hora de voltar ao trabalho, Shin!

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  Eu o segui, ainda processando tudo o que tinha ouvido. A chegada do cliente interrompeu a conversa, mas as palavras de Arata continuavam a ecoar na minha mente, como se carregassem mais significados do que ele deixava transparecer.

  Mas, quando ele se virou para o balc?o, vi o corpo de Arata enrijecer. Seus ombros ficaram tensos, e seus olhos arregalaram-se por um breve instante antes de ele recompor sua express?o.

  — Ryuuji? — murmurou, quase inaudível.

  E lá estava ele.

  Ryuuji Akagi.

  Ele entrou no espa?o com passos lentos, os olhos avaliando o ambiente antes de pousarem sobre mim. Sua express?o, já naturalmente séria, se tornou ainda mais azeda.

  — Você aqui também? — ele resmungou, o tom carregado de desdém. — Que maravilha…

  Ele desviou o olhar e caminhou até o balc?o, mas n?o encarou Arata diretamente. Em vez disso, ficou parado, as m?os enfiadas nos bolsos do casaco, o olhar fixo no ch?o como se estivesse enfrentando uma batalha interna.

  O silêncio que se seguiu era sufocante, denso como o ar antes de uma tempestade. Eu podia sentir a tens?o irradiando de ambos os lados.

  Arata parecia petrificado atrás do balc?o, as m?os apertando o tampo de madeira com tanta for?a que seus dedos ficaram brancos. Seu olhar vagava entre o irm?o e o ch?o, como se n?o soubesse onde pousar.

  E ent?o, de repente, Ryuuji quebrou o silêncio.

  — Desculpa.

  A palavra ecoou na biblioteca como uma pedra lan?ada em um lago calmo.

  Arata piscou, chocado, como se n?o acreditasse no que tinha acabado de ouvir.

  — O quê? — A pergunta saiu mais como um reflexo do que como uma resposta.

  Ryuuji suspirou profundamente, levantando o olhar para encarar o irm?o com uma express?o que misturava irrita??o e constrangimento.

  — Você ouviu bem. — Sua voz era firme, mas cada palavra parecia pesada, como se fosse arrancada à for?a. — Eu perdi a aposta, tá bom? E agora estou aqui… pedindo desculpas.

  Havia algo no tom dele — uma mistura de frustra??o e orgulho ferido — que tornava o momento ao mesmo tempo absurdo e trágico.

  Arata continuava imóvel, como se estivesse tentando processar o que estava acontecendo.

  — Isso é sério? — A voz dele saiu hesitante, quase incrédula.

  Ryuuji revirou os olhos, cruzando os bra?os com um gesto abrupto.

  — Sim, é sério! — respondeu, claramente irritado, desviando o olhar. — N?o vou repetir, ent?o aproveita!

  A situa??o era t?o inesperada que quase parecia c?mica, mas o peso emocional que pairava entre os dois irm?os anulava qualquer vontade de rir.

  Ryuuji ent?o virou-se para mim, como se quisesse desviar a aten??o do momento. Seu olhar era penetrante, e, mesmo que eu n?o tivesse feito nada, senti meu est?mago revirar sob sua análise.

  — E você… — ele come?ou, apontando um dedo em minha dire??o. — Sorte de principiante. Nada mais que isso. Na próxima vez, n?o vai acontecer de novo.

  — H?… certo. Entendi — respondi, ainda tentando entender tudo o que estava acontecendo.

  Ele bufou, desviando o olhar novamente, e ent?o come?ou a caminhar em dire??o à porta, como se quisesse escapar do lugar o mais rápido possível.

  Mas, antes que ele pudesse sair, a voz de Arata o chamou.

  — Ryuuji.

  O tom era baixo, quase um sussurro, mas carregava uma sinceridade t?o palpável que fez Ryuuji parar no mesmo instante.

  — Obrigado… e… desculpa também.

  Ryuuji ficou de costas para nós, imóvel, por alguns segundos que pareceram se arrastar por uma eternidade. Ele n?o olhou para trás, mas sua postura mudou ligeiramente.

  — ...Volta logo pra casa. — Ele resmungou, o tom t?o baixo que eu quase n?o ouvi. — Mam?e está preocupada com você.

  E ent?o, sem esperar por uma resposta, ele abriu a porta e saiu, o som do sino da entrada reverberando na biblioteca vazia.

  Olhei para Arata, que ainda estava parado no balc?o, com uma express?o difícil de decifrar. Seus olhos estavam um pouco brilhantes, e ele piscou rapidamente, esfregando o canto do olho com a manga do avental.

  — Arata, você está bem?

  Ele sorriu, mas havia algo frágil naquele sorriso.

  — Claro! Estou bem. — Ele soltou uma risada breve e for?ada, passando a m?o pelo cabelo. — Vamos voltar ao trabalho, certo? N?o temos o dia todo.

  Apesar das palavras, eu sabia que ele estava processando o que tinha acabado de acontecer. E, enquanto ele se movia lentamente pelo espa?o, comecei a pensar sobre o que tinha acabado de acontecer.

  Ryuuji e Arata. Dois irm?os que pareciam t?o distantes, mas que, naquele breve momento, deram um passo em dire??o a algo que talvez, só talvez, fosse uma reconcilia??o.

  E eu… bom, parecia que eu ainda tinha algo a provar. Talvez minha vitória tenha sido sorte, mas, no futuro, eu mostraria que era muito mais do que isso.

  Arata passou por mim, dando um leve tapinha no meu ombro, o sorriso brincalh?o de sempre voltando lentamente ao rosto.

  — Vamos logo, Yamamoto! Você n?o vai esperar o patr?o aparecer aqui, vai?

  Eu sorri de leve, balan?ando a cabe?a enquanto voltava ao trabalho. O peso do momento ainda pairava no ar, mas havia algo de esperan?oso na maneira como tudo terminou.

  Talvez… só talvez, algumas coisas realmente pudessem ser consertadas com o tempo.

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