A m?o repousava na ma?aneta da porta da biblioteca, enquanto minha mente ainda girava em torno da liga??o com Shihei Hajime. A Editora Kousei queria incluir minha história em uma revista semanal.
Era o tipo de notícia que qualquer aspirante a escritor sonharia ouvir, mas que parecia t?o distante da realidade até aquele momento. Meu cora??o acelerava ao lembrar das palavras dele.
Respirei fundo, tentando conter a empolga??o e parecendo um pouco bobo por estar sorrindo sozinho. Abri a porta devagar, sentindo o ar familiar e tranquilo da biblioteca me envolver. O som abafado de passos, o barulho suave das páginas sendo viradas e a luz filtrada pelas janelas altas criavam aquele ambiente quase sagrado que sempre me fazia sentir em casa.
— Shin! — A voz animada de Arata ecoou pelo espa?o, me tirando do meu transe.
Levantei os olhos e o vi atrás do balc?o, com um livro aberto em uma das m?os e o habitual sorriso travesso estampado no rosto.
— Que sorriso idiota é esse? — perguntou, estreitando os olhos como se analisasse algo suspeito. — Vai me dizer que você finalmente come?ou a namorar?
Levantei as m?os em um gesto defensivo.
— Quê?! Claro que n?o! — As palavras saíram mais altas do que eu pretendia, só alimentando o riso de Arata.
Ele fechou o livro e o colocou de lado antes de apoiar os cotovelos no balc?o, com o olhar cheio de malícia.
— Ent?o é outra coisa… Deixa eu adivinhar: ou você ganhou na loteria, ou recebeu boas notícias. — Ele inclinou a cabe?a, como se já estivesse se divertindo com qualquer resposta que eu desse.
Assenti, tentando disfar?ar a excita??o.
— Boas notícias. — Fiz uma pausa, tentando decidir se deveria contar tudo. — Recebi uma liga??o hoje. Foi da Editora Kousei. Eles querem incluir trechos da minha história numa revista semanal.
Por um instante, os olhos de Arata se arregalaram. Depois, ele abriu um sorriso t?o largo que parecia iluminar o ambiente inteiro. Saindo de trás do balc?o, ele veio até mim com passos rápidos e me deu um leve empurr?o no ombro antes de bagun?ar meu cabelo.
— Tá falando sério?! Isso é incrível, Shin! — Ele riu alto, o som ecoando pela biblioteca quase vazia. — Primeiro você vence o concurso, agora isso? Tá subindo rápido na vida, hein? Me dê seu autógrafo antes que você fique ainda mais famoso, por favor!
Tentei afastar sua m?o do meu cabelo, rindo de leve.
— Para com isso, Arata… é só o come?o. N?o é nada t?o grandioso assim. — Mas a verdade era que as palavras dele, mesmo em tom de brincadeira, me faziam sentir ainda mais confiante.
Arata recuou, cruzando os bra?os enquanto me olhava com um brilho divertido nos olhos.
— Humilde, mas claramente orgulhoso. Tá bom, eu entendo. — Ele riu novamente. — Mas, sério, garoto, parabéns. Você merece isso.
Afastei-me um pouco, ainda rindo enquanto passava a m?o pelo cabelo bagun?ado por Arata.
— Ah, obrigado, mas n?o é nada demais. — Minhas palavras saíram em um tom mais humilde, mas a lembran?a da aposta com Ryuuji rapidamente surgiu, trazendo uma sensa??o de inquieta??o.
Levantei os olhos para Arata, hesitante, escolhendo as palavras com cuidado antes de falar.
— A propósito… o Ryuuji. Ele já apareceu por aqui?
A pergunta fez Arata parar por um instante. Sua express?o mudou sutilmente; o brilho travesso nos olhos dele deu lugar a algo mais introspectivo. Ele cruzou os bra?os, encostando-se no balc?o com um leve suspiro.
— N?o. Desde aquele dia da aposta, ele n?o pisou aqui. — A voz dele tinha um tom tranquilo, mas havia uma ponta de algo que n?o consegui identificar — talvez melancolia.
— ...
Ele desviou o olhar para a porta, como se esperasse que ela se abrisse a qualquer momento. — Nem sempre ele foi assim, sabe.
Houve uma pausa. As palavras de Arata pairaram no ar, carregadas de uma seriedade rara. Meu peito se apertou de curiosidade, mas ao mesmo tempo eu sabia que estava tocando em um terreno delicado.
Arata raramente falava de Ryuuji, e quando falava, era como se estivesse mexendo em uma ferida antiga.
Minha hesita??o era visível, mas, antes que eu pudesse decidir se insistiria ou n?o, Arata voltou a olhar para mim. Desta vez, havia um sorriso no rosto dele — aquele sorriso despreocupado e brincalh?o que parecia dizer "n?o se preocupe com isso".
— O que foi? Tá com essa cara de curioso… — Ele riu de leve, mas o tom carregava algo mais profundo. — Tá bom, tá bom. N?o precisa ficar com essa cara de culpado. Se tá t?o interessado, eu te conto.
Levantei as m?os, tentando afastar o assunto.
— N-n?o, n?o precisa! é algo pessoal, e eu n?o quero me intrometer!
Mas Arata ignorou completamente minha tentativa de recuar, inclinando-se no balc?o com aquele ar característico de quem está prestes a contar uma boa história.
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— Tudo come?ou quando…
E, antes que eu pudesse sequer protestar, ele já tinha mergulhado no assunto, deixando-me sem escolha além de ouvir.
Arata parou e desviou o olhar por um instante, fixando os olhos no ch?o como se estivesse buscando o ponto exato onde tudo come?ou. Quando finalmente falou, sua voz estava mais calma e introspectiva do que eu esperava.
— Eu vim de uma família renomada de escritores. Isso provavelmente n?o é algo que se percebe olhando pra mim, mas… é verdade. Meu av?, por exemplo, ele escreveu "A Chuva de Meteoros."
Meus olhos se arregalaram imediatamente, e as palavras saíram antes que eu pudesse contê-las.
— Sério?! Aquele clássico?! Foi o seu av??
Arata ergueu uma sobrancelha, o canto da boca se curvando em um sorriso quase imperceptível.
— Foi, sim. Mas ele usava um pseud?nimo: Yosuke Kanzawa. — Ele inclinou a cabe?a, o tom ficando levemente mais descontraído. — Na nossa família, usar pseud?nimos é meio que uma tradi??o. Meu pai também tem um. A ideia é separar o escritor da pessoa. Pelo menos, era o que meu av? sempre dizia.
— Uau… — murmurei, ainda tentando processar o que acabara de ouvir. "A Chuva de Meteoros" era uma obra ic?nica, o tipo de livro que todo mundo conhece ou, pelo menos, já ouviu falar. E descobrir que o autor era o av? de Arata… era quase surreal.
Ele continuou, o sorriso leve desaparecendo conforme sua express?o ficava mais séria.
— Meu pai também foi um escritor de sucesso. Ele escreveu vários livros, participou de antologias, ganhou prêmios… — Ele soltou um pequeno riso sem humor, sacudindo a cabe?a. — Na verdade, ele venceu alguns dos concursos mais prestigiados do país.
Eu mal conseguia esconder meu espanto. Cada palavra que ele dizia parecia aumentar a magnitude da história. Era como se Arata viesse de uma... dinastia literária.
— Ent?o, quando eu era pequeno, parecia óbvio que eu seguiria o mesmo caminho. — Ele deu um sorriso melancólico, seus olhos carregando algo que parecia uma mistura de nostalgia e arrependimento. — E, pra ser honesto, eu achava isso incrível.
Ele fez uma pausa, respirando fundo como se tentasse organizar os pensamentos.
— Eu amava escrever. De verdade. — A sinceridade em sua voz era palpável. — Passava horas criando histórias, me perdendo em mundos que eu inventava. Até durante as aulas, eu ficava rabiscando ideias e diálogos no meu caderno, enquanto o professor explicava alguma coisa que eu mal ouvia.
Um leve sorriso surgiu em seus lábios, como se ele estivesse revivendo um fragmento de felicidade genuína.
— Ler também era uma paix?o. Qualquer livro que caísse nas minhas m?os, eu devorava. Era como se cada história fosse uma janela para um universo novo, algo que eu podia explorar sem limites.
N?o consegui evitar um sorriso enquanto ouvia.
— Sabe… eu meio que entendo o que você está dizendo. — Minha voz soou mais baixa, quase hesitante. Ele ergueu uma sobrancelha, curioso. — Eu também rabisco ideias durante as aulas. Ou melhor, rabiscava. O professor sempre reclamava quando me pegava distraído.
Arata soltou uma risada curta, mas genuína.
— Deixa eu adivinhar. Algo como: "Shin! preste aten??o ou vou chamar seus pais!"?
— Algo assim… — murmurei, envergonhado, mas sorrindo junto com ele.
Ele balan?ou a cabe?a, o sorriso persistindo em seu rosto.
— é engra?ado como esse tipo de coisa parece t?o pequeno, mas s?o nesses momentos que a paix?o floresce. Seja rabiscando durante a aula ou devorando um livro até tarde da noite.
Houve uma breve pausa, e eu aproveitei para acrescentar:
— é, mas... no seu caso, parece que isso era muito mais do que apenas um hobby. Era como uma parte de quem você era.
Arata inclinou a cabe?a, o sorriso diminuindo um pouco.
— Era, sim. Pelo menos, foi assim no come?o. — A melancolia voltou ao tom de sua voz, e eu pude ver o brilho em seus olhos se tornar mais contido, como se as memórias que ele estava revisitando fossem t?o dolorosas quanto preciosas.
Eu fiquei em silêncio, absorvendo cada palavra.
— Mas ent?o, algo mudou.
Havia um peso na voz de Arata, algo que imediatamente me deixou tenso. Era como se, mesmo sem saber os detalhes, eu já pudesse sentir a gravidade da história que ele estava prestes a contar.
Ele suspirou profundamente, como se buscasse for?as para continuar, e quando falou novamente, sua voz estava mais baixa, carregada de emo??o contida.
— Escrever deixou de ser algo divertido. Meu pai come?ou a me pressionar. Primeiro foram pequenos incentivos, depois vieram os cursos, competi??es, metas… Tudo virou uma obriga??o. N?o era mais sobre criar algo que eu amava. Era sobre cumprir expectativas.
Arata fez uma pausa, erguendo os olhos para me encarar. Havia uma seriedade incomum em sua express?o, algo que parecia t?o distante do tom descontraído que ele sempre carregava.
— Quando escrever vira só mais uma tarefa… quando a paix?o se perde, tudo desmorona.
As palavras dele ficaram pairando no ar, pesadas como chumbo. Eu absorvia cada uma delas, sentindo o peso que carregavam. Era difícil imaginar alguém como Arata — sempre brincalh?o, extrovertido e com seu sorriso que iluminava qualquer sala — passando por algo assim.
Mas talvez fosse exatamente isso. A facilidade com que ele sorria, fazia piadas, distraía os outros com sua presen?a magnética… talvez fosse tudo um reflexo de um esfor?o constante para se afastar daquela sombra que o perseguia.
Eu n?o conseguia evitar comparar sua história com a minha. Enquanto meu amor pela escrita floresceu de forma tranquila, quase espontanea, como uma planta crescendo no canto ensolarado de um jardim, o de Arata parecia ter sido arrancado de suas raízes, moldado e for?ado a se encaixar em um vaso que n?o cabia.
— Minhas notas come?aram a cair. — Ele deixou escapar um pequeno riso sem humor, quase como se estivesse zombando de si mesmo. — Eu n?o conseguia mais me conectar com aquilo, sabe? Escrever… ler… tudo o que eu amava parecia ter se tornado um fardo.
Seus olhos ficaram mais distantes, fixando-se em um ponto invisível, e suas m?os se apertaram levemente contra os bra?os cruzados.
— Mas meu pai n?o desistiu. Ele achava que, se me for?asse o suficiente, eu acabaria "pegando o jeito" novamente. — A maneira como ele disse isso foi carregada de ironia e amargura, mas havia algo mais profundo escondido ali: cansa?o.
Arata parou novamente, respirando fundo. Quando falou de novo, havia uma clareza em sua voz que me fez prender a respira??o.
— Foi aí que eu percebi, aquilo n?o era o que eu queria.
As palavras dele, simples e diretas, carregavam uma for?a que eu n?o esperava. Era como se aquele momento de realiza??o tivesse moldado tudo o que ele era agora. Ele virou-se para mim lentamente, o sorriso que surgiu em seus lábios n?o tinha nenhuma alegria; era amargo, quase resignado.
— Ent?o, um dia, durante o jantar, reuni toda a coragem que tinha e disse para minha família: "Eu desisto."
Aquelas palavras simples carregavam um peso quase palpável. O silêncio que se seguiu era t?o denso que parecia que até o ar da biblioteca tinha parado. Arata ficou quieto por alguns segundos, os olhos fixos em algum ponto distante, como se estivesse revivendo cada detalhe daquele momento.
Eu queria perguntar algo, preencher o vazio que a pausa deixava, mas sabia que era melhor esperar.
Esse era o tipo de história que precisava seguir no ritmo dele.
Ele finalmente voltou o olhar para mim, e havia algo diferente em sua express?o. N?o era tristeza, nem raiva, mas uma calma estranha, como se ele já tivesse feito as pazes com o passado, mesmo que ainda doesse.
— E ent?o… as coisas mudaram. — Sua voz era suave, mas carregada de significado. Ele deixou escapar um pequeno suspiro, como se quisesse aliviar o peso das palavras seguintes. — Mudaram de um jeito que eu nunca imaginei.
Ele n?o disse mais nada, deixando o silêncio falar por si. Mas, naquele instante, eu sabia que o que vinha a seguir era algo que ele n?o costumava compartilhar com ninguém.