O professor estava no centro da sala, gesticulando com entusiasmo enquanto explicava as fórmulas que cairiam nas provas.
Mas, para mim, aquelas palavras pareciam distantes, abafadas, como se eu estivesse debaixo d'água. Minha mente estava longe dali, vagando para um lugar que parecia ainda mais intenso que a press?o das provas: a triagem do concurso.
Desde o momento em que entreguei a história, era como se uma parte de mim tivesse ficado presa naquele envelope. Dias haviam se passado, mas a espera parecia se esticar indefinidamente. Cada hora que passava fazia o peso no peito aumentar.
N?o era um concurso qualquer, era um concurso nacional e renomado. Um palco para escritores de todos os cantos do país. E, diferente de muitos outros, n?o havia uma tela de computador entre nós e os jurados. Era papel, físico, real. Isso tornava o processo mais lento, mais concreto... e mais assustador.
Jurados experientes estariam analisando cada detalhe: a estrutura da narrativa, a criatividade das ideias, o impacto emocional das palavras. N?o havia espa?o para deslizes.
Minha história estava lá, em meio a centenas — talvez milhares — de outras. Essa ideia me deixava dividido: por um lado, o nervosismo crescia, mas, por outro, uma faísca de orgulho tentava surgir.
Eu tinha colocado meu cora??o naquela história. Ela estava lá por um motivo.
— Shin! — A voz do professor cortou meus devaneios como um trov?o, puxando-me de volta à realidade.
Pisquei algumas vezes, tentando ajustar o foco, enquanto os olhares de alguns colegas se voltavam para mim.
— H?… sim, professor? — respondi com um sorriso sem gra?a, tentando parecer mais desperto do que realmente estava.
Ele cruzou os bra?os, seus olhos estreitando-se com um misto de impaciência e advertência.
— Isso aqui vai cair na prova. Sugiro que você preste aten??o.
Algumas risadas baixas ecoaram pela sala, e eu senti o rosto esquentar enquanto endireitava a postura na cadeira.
— Desculpe. Vou prestar mais aten??o.
Balancei a cabe?a, tentando empurrar os pensamentos sobre o concurso para o fundo da mente. Mas n?o era fácil. Era como pedir a um rio para parar de correr.
Enquanto o professor continuava a explica??o no quadro, minha mente teimava em voltar para as folhas que eu tinha revisado tantas vezes. Para as dúvidas que eu sabia que n?o poderia mais corrigir.
E se minha história n?o fosse boa o suficiente?
Suspirei, tentando afastar as incertezas. Mas, mesmo com o som dos colegas anotando ou o marcador deslizando pelo quadro, tudo parecia girar em torno de uma única pergunta: Eles v?o gostar?
O som do sinal para o intervalo ecoou pela sala, e os alunos come?aram a se levantar, movimentando-se pelo corredor. Guardei meu caderno na mochila, mas minha mente ainda girava em torno do concurso. As dúvidas que tentava afastar durante a aula pareciam mais insistentes, como um eco que n?o queria desaparecer.
Enquanto caminhava em dire??o ao pátio, fui ter com Seiji e Rintarou perto de uma máquina de bebidas, que já estavam engajados em uma conversa que parecia animada.
— Eu t? dizendo, é a escolha perfeita! — Seiji exclamou, com o dedo apontando para Rintarou, que mantinha seu habitual semblante tranquilo.
— E eu t? dizendo que depende dele aceitar ou n?o — Rintarou retrucou, ajustando os óculos e me percebendo se aproximando. — Ah, aí está ele.
Seiji se virou rapidamente, exibindo aquele sorriso que quase sempre indicava que ele tinha algum plano em mente.
— Shin! Perfeito. Precisamos de você pra uma coisa.
Franzi o cenho, parando em frente aos dois.
— Pra quê exatamente?
— Relaxar! — Seiji declarou, jogando o bra?o ao redor dos meus ombros. — A gente podia repetir o rolê do karaoke como da outra vez. Ou, melhor ainda, um fliperama. Você precisa de uma distra??o, cara.
Rintarou assentiu, cruzando os bra?os enquanto mantinha o tom calmo.
— Ele tem raz?o. Você já fez tudo o que podia sobre o concurso. Agora, a única coisa que resta é esperar.
Abri a boca para responder, mas uma voz familiar interrompeu.
— Espera aí… alguém falou "fliperama"? — Akira apareceu ao nosso lado, segurando um pacote de salgadinhos e com os olhos brilhando de anima??o.
Seiji apontou para ele com entusiasmo.
— Exatamente! E você tá dentro, claro.
— Com certeza! — Akira respondeu, já mastigando os salgadinhos. — Que horas?
— Depois da aula, óbvio. — Seiji respondeu com um tom de quem já tinha tudo planejado.
Eu suspirei, tentando cortar o entusiasmo.
— Eu n?o sei… Tenho que trabalhar depois.
Seiji fez uma express?o quase ofendida, tirando o bra?o do meu ombro para cruzá-lo no peito.
— Ah, n?o. Nada disso, Shin. Sem desculpas dessa vez. Você tem tempo suficiente pra ir com a gente e depois trabalhar.
— Seiji tá certo. — Akira completou, com um sorriso travesso. — N?o dá pra fugir dessa, meu amigo.
Rintarou olhou para mim, como sempre com aquele ar ponderado.
— Considere isso uma pausa necessária. Você tá precisando disso mais do que pensa.
Olhei para eles, tentando resistir, mas a anima??o era quase palpável. Akira já parecia estar organizando quem mais iria, enquanto Seiji fazia caretas que indicavam que ele n?o aceitaria um "n?o" como resposta.
— Tá bom... — murmurei, derrotado.
Seiji deu um sorriso vitorioso e bateu no meu ombro novamente.
— Isso aí! Você vai se divertir, prometo.
Akira ergueu o punho no ar, como se estivesse celebrando uma pequena vitória.
— Beleza! Eu vou chamar mais algumas pessoas. Isso vai ser incrível.
Enquanto ele corria em dire??o ao grupo de alunos mais adiante, Seiji e Rintarou trocaram olhares satisfeitos. Mesmo com meu nervosismo ainda presente, n?o pude evitar um pequeno sorriso.
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Talvez eles tivessem raz?o. Uma pausa podia ser exatamente o que eu precisava.
A tarde no clube come?ou com a energia habitual. Takumi estava concentrado em papéis espalhados pela mesa, Rintarou folheava um livro, enquanto Kaori e Mai estavam em uma discuss?o animada. Taro, como sempre, cochilava em um canto com uma pilha de livros como travesseiro improvisado.
— Falando nisso, vocês já sabem o que a turma de vocês vai fazer para o Festival Escolar? — Takumi perguntou, erguendo o olhar dos papéis, sua express?o curiosa.
Mai balan?ou a cabe?a, ajeitando os livros.
— Ainda n?o decidimos — disse, pensativa. — O professor mencionou que podíamos já pensar em algumas ideias, mas acho que ninguém tem nada muito concreto ainda.
— Aposto que v?o acabar sugerindo algo como uma barraca de comida. é sempre a escolha mais fácil. — Rintarou comentou, ajustando os óculos sem tirar os olhos do caderno.
— Uma barraca de comida? — Kaori interveio, deixando o livro de lado. — A minha turma provavelmente vai fazer uma sala de terror! Fizemos isso no primeiro ano, e deu um trabalho absurdo, mas foi um sucesso. Acho que v?o repetir...
— Sala de terror? — Takumi riu levemente, cruzando os bra?os. — Seria interessante, mas n?o acho que minha turma vá topar algo assim. Eu queria sugerir algo relacionado ao clube de literatura, tipo uma exposi??o interativa ou até leituras dramáticas, mas… — Ele deu de ombros. — Duvido que isso vá pra frente.
— Porque a turma provavelmente prefere algo mais… chamativo, né? — Mai completou, sem erguer os olhos.
— Exatamente. — Takumi suspirou. — Acho que vou acabar só concordando com o que a maioria escolher, como sempre.
Kaori se inclinou para frente, apoiando o queixo nas m?os.
— Sabe o que seria legal? Fazer algo como um "misterioso café literário". Você mistura literatura com comida e ainda coloca uns desafios para os visitantes resolverem enquanto comem. Aposto que seria único.
— Parece uma boa ideia… — Mai comentou, parando de organizar os livros. — Mas dá trabalho. Teriam que convencer a turma toda de que vale a pena.
Enquanto a conversa continuava, com ideias fluindo de todos os lados, meu olhar vagava para a mochila ao meu lado. Meu celular estava lá, silencioso, como se zombasse da minha ansiedade. Cada segundo parecia uma eternidade, como se a qualquer momento ele pudesse vibrar com uma notícia do concurso.
Kaori notou minha distra??o e estalou os dedos na minha frente.
— Ei! Terra chamando Shin! Você tá com a gente?
Olhei para ela, um pouco constrangido, e assenti.
— Desculpa, só tava pensando em… outras coisas.
— Outras coisas ou no concurso? — Rintarou perguntou, levantando uma sobrancelha.
Kaori deu um sorriso de lado, inclinando-se levemente.
— N?o adianta ficar remoendo isso, Shin. Já tá fora das suas m?os agora. E você vai saber o resultado logo, ent?o relaxa um pouco.
— é fácil falar… — murmurei, mas n?o consegui evitar um pequeno sorriso com o tom descontraído dela.
— Bom, enquanto ele tá preso nos próprios pensamentos, a gente resolve o que nossas turmas v?o fazer no Festival Escolar — brincou Mai, arrancando risadas de Kaori e de Takumi.
A energia do clube parecia mais leve, mesmo com a press?o do Festival. Eu sabia que deveria me concentrar mais no que estavam dizendo, mas parte de mim ainda estava presa na espera interminável pelo resultado do concurso.
Após várias discuss?es sobre o que fazer, as aulas acabaram, e ent?o, segui com Seiji e Rintarou para o fliperama.
O lugar parecia ainda mais vibrante do que eu lembrava, com luzes piscando em todas as dire??es e sons eletr?nicos preenchendo o ar. Máquinas de dan?a, jogos de luta, pinball... tudo conspirava para criar uma atmosfera caótica e divertida.
Quando chegamos, Akira já estava lá, ao lado de Kaori, Kazuki, Takeshi, Aiko e alguns outros colegas. Eles conversavam animadamente, segurando refrigerantes e sacos de salgados.
— Até que enfim, Shin! — Akira gritou, acenando para nós.
— Desculpa o atraso — respondi, sorrindo.
— Ei, Shin! — Aiko surgiu à minha frente, já com um brilho competitivo nos olhos. — Quero te desafiar. Aposto que ganho fácil de você!
Olhei para a tela da máquina de luta onde ela estava jogando e ergui uma sobrancelha.
— Você parece confiante. Vamos ver...
Sentamo-nos lado a lado, e os outros se juntaram ao redor para assistir. Aiko escolheu um personagem que parecia uma mistura de ninja e mágico, enquanto eu optei por algo mais tradicional: um espadachim.
O jogo come?ou com ela atacando sem parar, apertando os bot?es como se sua vida dependesse disso. Eu tentei manter a calma, bloqueando seus ataques e buscando brechas para contra-atacar.
— Vamos, Shin! N?o deixe ela te esmagar! — Seiji gritou, com um sorriso enorme.
— N?o t? deixando! — respondi, enquanto desviava de mais um ataque.
No último momento, consegui um combo perfeito que encerrou a partida.
— Vitória! — A tela anunciou, e o grupo ao redor explodiu em risadas e aplausos.
Aiko cruzou os bra?os, claramente frustrada.
— Isso foi sorte! Quero revanche!
Rindo, aceitei o desafio.
Dessa vez, ela tentou ser mais estratégica, mas, no final, o resultado foi o mesmo.
— Outra vez! — Aiko pediu, mas o resultado n?o mudou.
Quando "Vitória!" apareceu na tela pela terceira vez, ela bufou e se levantou.
— Tá, tá. Você ganhou. Por enquanto... — Ela apontou um dedo para mim. — Mas isso ainda n?o acabou!
— Quando você quiser — respondi, rindo junto com os outros.
Kazuki, que até ent?o assistia de longe, deu um passo à frente.
— E eu? Posso tentar?
O grupo murmurou em antecipa??o, enquanto ele se aproximava. Kazuki era bom em jogos, e parecia que todos esperavam uma partida acirrada.
— Claro — respondi, tentando n?o demonstrar um pouco do meu nervosismo.
Sentamo-nos lado a lado, e a multid?o ao nosso redor cresceu. Akira e Seiji estavam especialmente animados, fazendo apostas imaginárias sobre quem venceria.
O jogo come?ou, e Kazuki era bom. Muito bom. Ele tinha um controle incrível sobre os movimentos do personagem, e, em vários momentos, parecia que eu n?o teria chance.
— Vamos, Shin! N?o deixa ele te engolir assim! — Takeshi gritou, quase pulando.
— Fácil pra você falar! — respondi, desviando de um golpe.
Consegui contra-atacar e virar o jogo, mas ele n?o se deixou abater. O embate ficou mais intenso, com o público torcendo cada vez mais alto a cada golpe bem-sucedido.
No último momento, ambos nossos personagens caíram ao mesmo tempo.
— Empate! — A tela anunciou, e todos ao redor explodiram em risadas e aplausos.
— Nada mal, Shin — Kazuki disse, estendendo a m?o com um sorriso.
— Você também é bom — respondi, apertando sua m?o.
Enquanto nos cumprimentávamos, percebi que minha vis?o sobre Kazuki havia mudado completamente. Ele n?o era mais aquele obstáculo que eu imaginava. Ele era alguém que eu podia respeitar, e talvez até considerar um bom amigo.
A tarde continuou com mais desafios e risadas. Seiji e Akira tentaram superar a máquina de dan?a, mas acabaram trope?ando nos próprios pés, arrancando gargalhadas de todos. Kaori e Aiko se uniram para derrotar Takeshi em um jogo de tiro, gritando como se estivessem em um campo de batalha real.
Houve até um momento em que Taro apareceu por lá — ainda com aquela express?o sonolenta de sempre — e derrotou todo mundo no fliperama de corrida, antes de desaparecer t?o rápido quanto tinha chegado.
Entre as luzes piscantes, o som dos jogos e as risadas dos amigos, por um breve momento, consegui esquecer do concurso e apenas me divertir.
Mas, enquanto estávamos nos preparando para mais uma rodada, senti meu celular vibrar no bolso. Peguei o aparelho, esperando que fosse Arata ou alguma notifica??o irrelevante, mas a tela mostrava algo que fez meu cora??o disparar.
Era um e-mail do concurso.
O ambiente ao meu redor pareceu ficar mais distante enquanto abria a mensagem. As luzes do fliperama e o som dos jogos desapareceram, substituídos apenas pelas palavras que saltavam da tela:
"Parabéns! Sua história foi selecionada como uma das finalistas do concurso."
Por um momento, tudo parou.
Eu li as palavras novamente, só para ter certeza de que n?o estava imaginando coisas. Meu cora??o batia t?o forte que parecia ecoar nos ouvidos.
— Shin? — A voz de Kaori quebrou o silêncio ao meu redor. — Tá tudo bem?
Ela e os outros come?aram a me olhar, notando minha express?o congelada.
— Eu… eu passei… — murmurei, ainda tentando processar o que tinha acabado de ler.
— Passou?! O quê?! — Kaori praticamente arrancou o celular da minha m?o antes que eu pudesse reagir.
Ela leu o e-mail em segundos, e seus olhos brilharam de pura alegria.
— Você conseguiu, Shin! Você tá na final!
Algumas pessoas ao redor ouviram, e Seiji me agarrou imediatamente, bagun?ando meu cabelo enquanto ria alto.
— Tá falando sério!? Eu sabia que você conseguiria!
Rintarou mostrou um sorriso, mas seu tom carregava uma admira??o sincera.
— Parabéns. Eu tinha certeza de que você iria conseguir, Shin.
Akira levantou as m?os, como se estivesse liderando um coro.
— N?o sei o que tá acontecendo, mas vamos comemorar, pessoal!
O calor das palavras de todos come?ou a afastar o choque inicial, substituindo-o por algo muito maior. Um sorriso se formou no meu rosto, e uma onda de alegria genuína tomou conta de mim.
Mas, no fundo, uma pequena dúvida ainda me cutucava.
E Ryuuji? Ele também deveria ter passado. Claro que sim. Com a experiência dele, seria quase impossível ele n?o estar entre os finalistas.
Mas isso n?o importava naquele momento.
Terminamos a noite no fliperama em meio a mais brincadeiras e risadas, mas, quando saímos, o céu já estava come?ando a escurecer. As luzes da cidade criavam reflexos suaves na cal?ada úmida, e o ar fresco da noite parecia carregar um significado especial.
Enquanto caminhávamos de volta, cada passo parecia mais leve. Olhei para o horizonte, onde as últimas cores do p?r do sol ainda tingiam o céu.
Eu tinha conseguido. Passei pela triagem. Tudo o que lutei, cada esfor?o, cada dúvida, cada página escrita… tudo valeu a pena.
Mas a jornada estava apenas come?ando.
O concurso ainda n?o tinha acabado, e eu sabia que a competi??o final seria acirrada. Porém, havia algo dentro de mim que antes parecia distante: confian?a. Sorri, respirando fundo, como se quisesse guardar aquele momento para sempre.
E, com isso, segui em frente, pronto para a fase final do concurso.