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Capítulo 22 - O Grande Conventículo

  Nos dias após a derrota dos fantasmas do Gerês pelas Bruxas da Noite, toda a gente me dizia que eu parecia distraído e cansado. N?o podia discordar deles. Desde essa noite, mal conseguia dormir, e estava constantemente a pensar no que podia fazer quanto às Bruxas da Noite. Contactei toda a gente de que me lembrei na esperan?a que alguém me pudesse dar uma indica??o do que fazer a seguir, mas n?o tive sorte.

  A Bruxa do Mar que havia conhecido em Esposende telefonou-me, por fim, uns dias depois de eu a contactar, para me falar de um Grande Conventículo que ia haver na noite do Sábado seguinte e que fora convocado para discutir as Bruxas da Noite. Decidi imediatamente que ia estar presente, pois aquilo que eu sabia e vira podia revelar-se útil.

  Como tal, disse à minha mulher que ia com o grupo de explora??o urbana visitar uma fábrica em ruínas em Guimar?es. N?o era totalmente mentira, pois o Grande Conventículo ia ser, de facto, em Guimar?es, mas no alto do Monte da Penha, perto do santuário católico lá construído.

  Quando a altura chegou, meti-me no carro e conduzi até Guimar?es. Pela autoestrada, demorei uns vinte minutos até à cidade. Subir até ao topo do monte, porém, demorou mais um pouco.

  Finalmente, cheguei à área do santuário. Era Inverno, pelo que, àquela hora da noite, as lojas, os cafés e até o hotel se encontravam fechados. Estacionei no parque principal, que estava completamente vazio, e saí do carro para procurar o local do conventículo.

  Foi, ent?o, que me lembrei porque adorava aquele sítio desde a minha primeira visita. Era como um parque de divers?o para adultos.

  Uma falsa muralha separava o estacionamento da encosta do monte. à direita desta, uma pequena descida levava a umas tabernas típicas construídas mais abaixo, enquanto à esquerda se erguia um monte de rochedos sobre o qual havia sido construída uma pequena capela. Contudo, a verdadeira atra??o encontrava-se sob esta. Passagens criadas pela sobreposi??o dos penedos levavam a cavernas e nichos sob as rochas que haviam sido aproveitadas como capelas e tavernas. Era um local que parecia saído de uma história de fantasia.

  O conventículo, no entanto, n?o ia ocorrer nessa dire??o, mas na oposta. Atravessei a estrada, passei pelo relativamente recente santuário e enveredei pela rede de passagens que se dirigiam para sul. Parte destas passava por túneis e pequenas grutas entre rochedos, até que, finalmente, emergiam numa espa?osa clareira.

  No centro desta, ardia uma enorme fogueira, à volta da qual se reuniam vários grupos de pessoas, na sua maioria mulheres. Entre elas, consegui reconhecer algumas como as bruxas que encontrara em Montalegre e no Porto e, para minha surpresa, as que tinham atacado a Citania de Briteiros e até o bruxo e curandeiro da minha terra natal. As líderes do Grande Conventículo, as bruxas que eu primeiro conheci como fogos-fátuos, estavam, como seria de esperar, no centro, junto da fogueira.

  Procurei pela Bruxa do Mar, a minha aliada que me havia ali chamado, e encontrei-a sozinha, junto da orla da clareira.

  - Sempre veio - disse ela, quando me aproximei.

  - Claro. Os inimigos das Bruxas da Noite est?o a cair como moscas. Tinha de vir descobrir se alguém lhes consegue fazer frente.

  - As Bruxas de Briteiros parecem ter alguma ideia - disse ela, apontando para as líderes do conventículo. - Só temos de esperar até estarmos todas cá.

  Sem mais nada a dizer, esperámos, em silêncio. Este, porém, n?o durou muito. Uma m?o vinda de trás agarrou-me o ombro.

  - Também estás aqui? - disse uma voz.

  Virei-me e dei de caras com Susana, a demonóloga do norte de Portugal. A pequena rapariga segurava um dos seus tablets caseiras.

  Apresentei-lhe a Bruxa do Mar e expliquei-lhe porque estava ali.

  - E tu, o que estás aqui a fazer? - perguntei-lhe.

  - Eu gosto de me manter informada sobre bruxas. Elas gostam de invocar demónios. Além disso, este Grande Conventículo é sobre as Bruxas da Noite e, pelo que tenho ouvido, preciso de come?ar a estar atenta a elas. Há suspeitas de que elas s?o demónios disfar?ados.

  Embora a hipótese n?o me convencesse, a verdade é que, na altura, podia ser t?o válida como qualquer outra. A natureza das Bruxas da Noite continuava a ser um mistério.

  N?o tivemos tempo para dizer mais nada, pois as Bruxas de Briteiros chamaram a aten??o dos presentes.

  Assim que toda a assistência se juntou à volta delas, uma das Bruxas de Briteiros disse:

  - Obrigado por terem vindo todas. é bom saber que as Bruxas da Noite n?o nos preocupam só a nós.

  Outra das Bruxas de Briteiros, o homem, continuou:

  - N?o sei se est?o todas ao corrente, mas as Bruxas da Noite têm atacado várias comunidades de criaturas mágicas nos últimos tempos. N?o sabemos quem será a seguir. Pode ser qualquer uma de nós.

  - Temos de nos juntar e fazer algo quanto às Bruxas da Noite - disse a Bruxa de Briteiros que ainda n?o tinha falado. - Elas s?o uma amea?a para todas.

  Apesar de haver ali muitas bruxas com raz?o para n?o gostar e até odiar as Bruxas da Noite, fiquei com a sensa??o que aquele Grande Conventículo tinha sido convocado porque as Bruxas de Briteiros se estavam a sentir amea?adas.

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  - Que sugerem que fa?amos? - perguntou uma bruxa na assistência que eu n?o conhecia.

  - Primeiro, temos de juntar as nossas capacidades de adivinha??o para as encontrar - disse a primeira Bruxa de Briteiros.

  Eu sabia onde come?ar a procurar, mas hesitei em dizer-lhes. Tinha dificuldade em confiar naquelas bruxas. Talvez por ter crescido num país católico, tinha algum receio daqueles que lidavam com magia e demónios. Por outro lado, as Bruxas da Noite e os seus servos já haviam, confirmadamente, morto pessoas e n?o só. Tinham um exército ao seu servi?o. E tinham-me tornado parcialmente responsável por algumas das mortes que causaram ao usar trasgos que eu havia libertado da quinta dos Cerqueira para fazer o seu trabalho sujo. Levando tudo em conta, n?o podia deixar de pensar que as bruxas daquele conventículo eram um mal menor.

  Avancei e preparei-me para anunciar o que sabia.

  De súbito, o ch?o come?ou a estremecer. Pouco depois, ouvi árvores a serem quebradas e o troar de pesados passos. As bruxas come?aram a olhar em volta, mas eu n?o. Já tinha passado por aquilo antes, em Tib?es. Sabia o que se aproximava.

  Das árvores em volta da clareira, emergiu uma enorme variedade de criaturas: gigantes, ogres, trasgos, duendes, entre outras cujo nome desconhecia. No momento seguinte, figuras encapu?adas com longas vestes negras surgiram no céu, acima das nossas cabe?as. As Bruxas da Noite tinham chegado.

  Completamente cercadas, as bruxas do Grande Conventículo preparam-se para lutar. As Bruxas de Briteiros tomaram a sua forma de fogo-fátuo e levantaram voo, enquanto as restantes deram início aos diferentes métodos de lan?ar feiti?os.

  Eu, a demonóloga e a Bruxa do Mar estávamos bastante próximos da linha das árvores, pelo que os monstros estavam quase em cima de nós. Virámo-nos para os enfrentar. Susana ficou parada a olhar para eles, como se estivesse a pensar se teria alguma arma eficaz contra aquelas criaturas, enquanto a Bruxa do Mar imitou as suas colegas e come?ou a lan?ar um feiti?o. Eu peguei num ramo caído e preparei-me para me defender. Desta vez, ia mesmo enfrentar os soldados das Bruxas da Noite.

  Um ogre e vários duendes dirigiram-se para nós. Esperei até o primeiro ficar ao alcance da minha arma improvisada e desferi um golpe. Este, porém, agarrou a outra ponta do ramo e arrancou-mo da m?o. Aterrorizado, preparei-me para ser esmagado pelo enorme malho que a criatura carregava. Esta, contudo, atirou-me ao ch?o com uma m?o e continuou em frente. Depois, fez o mesmo à demonóloga.

  Os duendes, que seguiam logo atrás, ignoraram-nos e, juntamente com o ogre, avan?aram para a Bruxa do Mar. Porém, antes de a alcan?arem, esta terminou o feiti?o. água cobriu o solo debaixo das criaturas e infiltrou-se rapidamente no solo, formando uma po?a de lama que enterrou o ogre quase até aos joelhos e os duendes até ao peito, imobilizando-os.

  Eu e Susana levantámo-nos e preparámo-nos para voltar para junto da Bruxa do Mar. Foi, ent?o, que nos apercebemos que uma das Bruxas da Noite se dirigia para ela. Felizmente, a minha aliada ainda teve tempo de lan?ar um feiti?o. De imediato, um jato de água saiu disparado das suas m?os contra a criatura atacante. No entanto, esta continuou em frente, cortando a água, quase sem desacelerar. Pouco antes de chegar à Bruxa do Mar, enormes garras, com mais de trinta centímetros, cresceram das suas m?os.

  Eu e Susana ainda tentámos contornar a po?a de lama e as criaturas presas nela, e ajudar a minha aliada, porém, n?o chegámos a tempo. Com um golpe brutal, a Bruxa da Noite atingiu a cabe?a da Bruxa do Mar, as suas garras cortando carne e osso e, fatalmente, chegando ao cérebro debaixo.

  Aterrorizados com aquela sanguinolenta vis?o, eu e Susana estacámos, convencidos de que seríamos as próximas vítimas. Contudo, a criatura afastou-se e voou em dire??o a outra bruxa sem nos prestar qualquer aten??o.

  Aproveitei aquela pausa para olhar em volta e ver como decorria o combate.

  O bruxo da minha terra natal estava prostrado no ch?o, morto, assim como algumas das bruxas de Montalegre, do Porto e muitas outras que eu n?o conhecia. Entretanto, outras tinham conseguido invocar mafarricos e, juntamente com eles, lutavam, com algum sucesso, contra os soldados inimigos. Contudo, sempre que uma Bruxa da Noite atacava as inimigas no solo, nada a conseguia parar e impedir de causar mortes.

  Felizmente, três das Bruxas da Noite estavam ocupadas no ar, a enfrentar os fogos-fátuos. Estes lan?avam-lhes constantemente pequenas esferas de fogo que, embora n?o lhes parecessem causar ferimentos, claramente as incomodavam e impediam de lan?ar feiti?os.

  Aos poucos, a luta espalhou-se para além da clareira do Grande Conventículo. Passado algum tempo, mafarricos enfrentavam trasgos e duendes em passagens construídas sob penedos, e bruxas lan?avam feiti?os do cimo de pontes de cimento que imitavam formas naturais.

  Todavia, embora fosse a batalha contra as Bruxas da Noite mais equilibrada que já vira, as for?as destas estavam progressivamente a ganhar terreno.

  Eu e Susana matámos as criaturas presas na lama da Bruxa do Mar com pequenas facas, mas n?o tínhamos ido ali preparados para o combate, e pouco mais nos atrevíamos a fazer do que atacar inimigos feridos e moribundos.

  Por fim, as bruxas do Grande Conventículo sofreram um golpe fatal. Com a situa??o em terra controlada a seu favor, as Bruxas da Noite concentraram-se todas nas Bruxas de Briteiros. Em inferioridade numérica, estas n?o conseguiram manter as suas adversárias ocupadas. Feiti?os come?aram a atingi-las de todas as dire??es. Relampagos, esferas de energia, bolas de gelo e muitos outros projéteis mágicos acertavam-lhes. Um a um, os fogos-fátuos voltaram às suas formas humanas e caíram ao solo, mortos antes de o atingirem.

  Sem a torrente constante de feiti?os das Bruxas de Briteiros, as Bruxas da Noite puderam dedicar toda a sua aten??o às bruxas que lutavam contra os seus soldados. Se estas últimas já estavam a perder a batalha, a sua derrota tornou-se, ent?o, inevitável.

  Eu e Susana continuámos a ajudar como podíamos, mas de pouco serviu. Em poucos minutos, as poucas bruxas sobreviventes fugiam o mais rápido que podiam por onde podiam, e os demónios invocados jaziam no ch?o, mortos.

  Para nossa surpresa (e alívio), as Bruxas da Noite n?o nos prestaram nenhuma aten??o, e os seus soldados só interagiam connosco se fossem obrigados e apenas para nos tirar do caminho. Contudo, a raz?o para isso era um mistério que teria de ficar para mais tarde. N?o queríamos abusar da sorte e, juntos, voltámos para o estacionamento onde deixei o carro.

  Assim que os sons de luta e persegui??o ficaram para trás, comentei:

  - Mais uma vitória para as Bruxas da Noite.

  - Qual será o seu objetivo? - perguntou, retoricamente, a demonóloga.

  N?o sabia o que lhe dizer, pelo que n?o disse nada.

  - Vou manter-me atenta às suas atividades. Algo se passa, e n?o é nada de bom - disse, encaminhando-se para a sua velha Ford Transit.

  Eu meti-me no meu carro e parti em dire??o a Braga. Durante todo o caminho, repreendi-me pela minha incapacidade de ajudar a parar as Bruxas da Noite, ou até de apenas descobrir o que pretendiam. Contudo, uma coisa tornara-se clara naquela noite: elas estavam a tentar evitar envolver-me a mim e a Susana na sua luta. Por que raz?o, era outro mistério para resolver. Porém, n?o sabia como alguma vez o iria conseguir. N?o tinha mais pistas para seguir, especialmente agora, que tinha perdido mais uma aliada.

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