Toquei meio distraído a pequena flor azul que surgiu ao lado. Eu n?o estava preparado para o que ela podia ser...
I
éfrera inspirou lenta e profundamente, os olhos discretamente passando pelo gigante, ao lado.
Os dois ainda viviam uma rela??o muito estranha. Ela vinha de quando em quando. Ele já n?o a repelia, na grande maioria das vezes, e até mesmo parecia que se sentia mais em paz quando ela surgia por perto. E, para sua surpresa, uma vez, poucos dias atrás, quando ela estava perto de um grande lago de águas claras e calmas, ele simplesmente descera ao seu lado, em completo silêncio. E assim permaneceram, quietos em paz, apenas andando por aqueles lugares.
N?o entendia como, mas a companhia dele lhe fazia muito bem, como se alguma coisa estivesse se encaixando no seu devido lugar, como quando se volta à normalidade após uma tempestade.
E, naquele dia, antes de partir, ele realmente a olhara, um olhar tranquilo e pacífico. Ele subiu suave ao céu e se foi, sem pressa.
Essa parecia ser a nova ordem deles, se encontrar em silêncio, curtindo a presen?a um do outro. E, por mais incrível que podia parecer, nada amea?ador se aproximava deles, muito pelo contrário.
Um dia ela riu, feliz e entregue. Sempre notara que havia algo estranho nos arredores, mas, talvez devido a tens?o normal do encontro com Mercator, nunca prestara aten??o. Ent?o, ali estava: sempre aos arredores, muitas vezes se aproximando quase ao toque, muitos e muitos passarinhos, que se lavavam nas areias e comiam sementes, mostrando que estavam muito bem perto deles, perto dele.
Talvez eles fossem como ela, que se sentia bem ao lado dele. Realmente, havia algo de diferente com aquele terrível dem?nio.
Era um processo bem lento, mas sabia que ele, agora, aceitava muito bem sua presen?a, em muitas vezes até mesmo demonstrando a preferir do que à solid?o das montanhas.
éfrera suspirou, passando o olhar em volta pela paisagem, ouvindo as passadas do gigante esmagando as pedrinhas da encosta da montanha onde estavam, parecendo fazer a paz aumentar.
Aquele era um dia cheio de nuvens gordas e lentas deslizando pelo céu de profundo azul. O sol, apesar de muito claro, n?o estava muito forte. O inverno estava se aproximando, éfrera previu.
Ela observava, distraída as montanhas e as nuvens quando os viu.
éfrera viu quando eles surgiram, acima da montanha. Eram seis dem?nios ao todo. Olhou para o lado e confirmou que Mercator já sabia da presen?a deles ali. E eles tinham vindo até ali por causa deles, mostraram ao rumarem diretamente para o lugar em que estavam.
Com amargor éfrera viu a paz que os envolvia ser substituída violentamente por tens?o, como uma corda esticada quase ao seu ponto de ruptura. Inspirou lentamente, sabendo que a paz que parecia envolver aquele lugar era enganosa.
- Que romantico – debochou um dos dois grandes dem?nios, que Mercator identificou sendo Trevas. – Uma merda de uma demiana, sério? Se fosse uma dêmona até entenderia, mas, uma demiana? Vivendo e aprendendo, n?o é mesmo pessoal? – riu.
éfrera baixou a cabe?a, a m?o se aproximando da espada. Via com clareza que eles estavam fazendo um círculo em torno deles. Mercator continuava em silêncio, pensativo.
- Como é, quando vocês trepam? – perguntou Trevas, a voz excitada e cheia de lascívia.
- Ah, é bom demais – éfrera riu. – Quer experimentar o Mercator também, dem?nio?
A resposta foi t?o espontanea que Trevas riu alto, acompanhado pelo riso dos outros dem?nios.
Escurid?o pareceu n?o se importar.
- N?o teria qualquer problema quanto a isso, mas o prazer com Mercator será quando o matar. A trai??o tem seu pre?o, e todos sabem muito bem qual é.
- N?o gosto de conversas sem sentido – ralhou Mercator saindo de seu marasmo, a espada saindo da bainha, emitindo o silvo suave como que de uma corrente elétrica queimando o ar.
- Isso, é isso que eu digo para vocês – falou Escurid?o tomado de energia, apontando para Mercator, a espada em riste em sua dire??o. – Atitude, atitude. Viram como é? – perguntou dando dois passos para frente, perigosamente se aproximando de éfrera, que o olhava com desdém.
Quando Escurid?o girou o corpo, a espada reta na horizontal, na altura da cabe?a da demiana, éfrera já estava abaixo, fora de seu alcance, no momento exato, sua espada indo para frente, em dire??o ao estomago do dem?nio.
Escurid?o bateu no lado da lamina de éfrera, desviando-a para a direita, a espada descendo o punho contra a cabe?a da demiana.
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éfrera continuou o giro, se colocando fora do alcance do dem?nio, um sorriso sarcástico pregado no rosto.
> Sem dúvida, vou gostar muito disso – declarou eufórico.
Trevas gritou de raiva com toda a palha?ada infrutífera do outro, e como um corisco se lan?ou contra Mercator, juntamente com dois sombras em forma de mantos.
Mercator, como se n?o se desse conta deles, passou os dois dem?nios na espada e atingiu Trevas com grande furor.
éfrera girou e se lan?ou contra os outros dem?nios, sua espada girando e estocando com enorme selvageria.
Escurid?o estava em silêncio, observando cuidadosamente a demiana. Nem se mexeu quando matou os sombras, um a um. Sorriu pesado quando ela o encarou, desafiadora.
Olhou para o lado, e viu a terrível batalha entre os outros dois, Trevas e Mercator.
- Só nós dois, demiana – destilou, a voz arrastada e satisfeita.
éfrera confrontou o par de olhos vermelhos e terríveis, que pareciam sorrir de prazer. Tomada de energia voou velozmente contra ele.
Enquanto circulava em torno do dem?nio sentiu prazer em se imaginar uma mancha contra um pared?o. Rápida, cortando, rasgando.
Tomada de satisfa??o ouvia os urros irritados de Escurid?o. Ent?o se esquivava e estocava e cortava novamente, rodando em torno dele.
Virou-se, preocupada ao pressentir um movimento esquivo ao seu lado. Sorriu ao ver que Mercator havia atingido duramente Trevas, que fora lan?ado violentamente contra o pared?o da montanhas.
Sentiu um frio estranho e uma urgência ao perceber o erro que cometera: ficara parada por um mísero tempo que n?o poderia ter deixado acontecer. Quando se preparava para focar novamente em Escurid?o, como se fosse em um outro mundo ouviu seu próprio urro de dor e desamparo, enquanto sentia uma espada longa entrar forte em seu peito.
Desesperada percebeu que sua energia diminuía. Rilhou os dentes, enchendo-se de poder. Mas, antes que pudesse se defender, sentiu uma adaga entrar em seu lado.
Sua for?a amea?ou abandoná-la.
A sua espada pesou demais e caiu de vez na sua bainha. Se sentiu levantada, enquanto a adaga era dolorosamente retirada do seu corpo. Sentiu a press?o de m?os enormes a segurando pelo ombro, enquanto a espada era retirada. Sentiu-se quase destruída quando foi girada para ver Mercator e Trevas se batendo e, mais ainda, para a mostrar com troféu para Mercator.
Como se fosse em um mundo de neblinas ralas e de sons confusos viu Trevas se batendo com Mercator, que tentava se desvencilhar dele para vir ao seu encontro. Ouviu a risada de Escurid?o, cravando uma adaga no seu outro ombro. Ent?o, tomado de prazer, ele soltou o seu ombro, mantendo-a agora sustentada pela adaga, como um peda?o de carne num gancho de a?ougue. Depressa cuidou de controlar a dor terrível, se esfor?ando em se manter desperta, os olhos cada vez mais emba?ados na batalha violenta que se desenrolava à sua frente.
Ent?o, subitamente, uma tristeza imensa a tocou ao ver o desespero de Mercator.
Um sorriso desamparado se irradiou debilmente em seu rosto, ao ver Mercator se poderando, como poucas vezes se falou que ele assim fizera.
Seu corpo, poderosamente, se encheu de neblinas irradiadas de vermelho, a maldade parecendo ter atingido um nível muito alto. Notou a adaga de Escurid?o titubeando, bem como Trevas indeciso, se afastando do gigante.
A explos?o foi controlada, ela percebeu agradecida. Estava fraca demais para ter sobrevivido à uma concuss?o maior.
Viu quando Escurid?o, contra quem fora desviado o maior nível da onda de choque, ser violentamente lan?ado para longe. Ela sentiu que flutuava pesadamente em dire??o a um ch?o que subia muito rápido. Mas, enquanto caia, conseguiu ver Mercator, numa fúria desmedida, arremeter contra Trevas, a espada de sangue incandescente rasgando fundo o ombro do outro, que urrou e tentou recuar.
Mercator estocou mais uma vez, recolhendo o corpo de éfrera e rapidamente se pondo fora do alcance dos dois dem?nios.
éfrera viu Mercator aproximar seu rosto, os olhos vermelhos, quase rosas, fixos nos seus. Havia dor ali, percebeu.
- Como vai ser agora? – o viu se lamentar, se perguntando com ficaria no mundo que, mais uma vez, perdia.
- Me encontre... – ela conseguiu sussurrar.
- Eu... Como posso... N?o sei quem...
- Você sabe, sim, você sabe quem você é... – conseguiu sussurrar mais uma vez, o esfor?o ficando cada vez mais terrível. – Só precisa aceitar o que já descobriu. Me procure, me encontre, me lembre...
- Por que? – gemeu. – Que bem lhe sou?
- N?o sei... Preciso de vo...
Mercator a olhou, os olhos emba?ando-se, tornando-se quase morti?os, vendo a demiana arriar em seus bra?os que a sustinham com suavidade. Ent?o, quando o corpo se desfez no sol poente, Mercator ficou ali, quieto, os pensamentos seguindo a última fagulha.
Subitamente seu ódio cresceu e se voltou para as montanhas mais longínquas, onde sabia que Trevas e Escurid?o estavam.
> N?o vá... Eu quis assim – ouviu em sua mente.
Confuso parou, fechando os olhos, procurando.
Foi ent?o que sentiu como que um calor ao seu lado, vivendo numa luz suave e meio dourada.
> Era a única forma de te tocar... Me encontre...
E ent?o o silêncio e o frio se agigantaram e se fizeram.
Mercator abriu os olhos, olhando com estranheza para um anjo que cismava ao longe.
- Veio rir da minha dor?
- Eu sei onde ela estará. Logo você poderá cuidar dela, mesmo que em segredo, se essa for sua vontade – ouviu das distancias.
- Cuidar... – cismou, a voz se distanciando de sua vontade, se ouviu dizer. E surgiu uma flor tímida entre as pedras, que morreu ao ser pisada pelo vento que um deus adormecido lan?ara, e de novo sentiu aquele algo, poderoso, quase ao seu alcance, mas que teimava em se manter distante.
- Ah, quem eu sou, quem s?o os que est?o por aqui? – perguntou ao deus adormecido, que apenas se desfez na escurid?o, enquanto sentia que uma verdade tocava tudo o que era, e que se desfazia antes que pudesse lhe dar a aten??o.
II
Miguel, tentando controlar sua tristeza, chamou a aten??o da demiana. Em silêncio se afastaram, pensativos.
- A sentiu? – a demiana perguntou algum tempo depois, quando já se reuniam com os outros.
- Sim, ela já está se mostrando, e logo vai renascer. Estaremos lá para recebê-la– declarou.
- Até parece que o trov?o n?o arrumou só um arcanjo para o nosso amigo ali, n?o é mesmo. O que ele viu ali?
- Possibilidades – falou o anjo. - Maravilhosas possibilidades, n?o viu?
- Isto já está mais que claro, n?o? Mas, esses quatro tem algo diferente, e isso também é bem claro. Você sabe o que realmente está acontecendo aqui, Miguel?
- Do que fala? – perguntou, um sorriso no canto da boca.
- Ora, você bem sabe: éfrera e Allenda invocam luz, fogo. Uivo e Mercator tem faces sombrias, eles invocam sombras. O que esses quatro representam?
- Você mesma viu, minha querida amiga: reden??o... Agora, vamos, precisamos achar uma demiana sainte bem adequada.