home

search

Capítulo 2 - Reflexão

  A carro?a avan?ava pela estrada de terra, rangendo a cada solavanco. O caminho era longo e cercado por vastos campos verdejantes, cortados por pequenos riachos pedregosos que serpenteavam a terra. O vento soprava suave, trazendo o cheiro fresco da vegeta??o e o som distante de pássaros chamando uns aos outros. Em alguns pontos, aglomerados de árvores cresciam de forma dispersa, oferecendo sombras escuras sob a luz do sol da manh?. No horizonte, dominando a paisagem, erguia-se a Montanha Velha. Uma colina colossal, de cume arredondado e coberto por uma névoa fina. Suas encostas íngremes eram marcadas por rachaduras antigas, como cicatrizes deixadas pelo tempo, a montanha de seus sonhos. Além dela, muito mais distante, ficava o Deserto de Jas?o, uma terra inóspita de areia fumegante onde a tribo Reen vivia, desafiando a natureza cruel daquele ambiente extremo. Nwyn já leu histórias sobre os Reen—guerreiros endurecidos pelo calor, acostumados a viver com pouco e temidos por sua resistência. A estrada se estendia reta, sem sinais de outros viajantes. Algumas casas dispersas podiam ser vistas ao longe, pequenas constru??es de madeira e pedra, cercadas por campos cultivados. Mas n?o havia movimento, ninguém à vista. Apenas o som ritmado das rodas da carro?a e o respirar lento do cavalo.

  Eventualmente, a ponte apareceu à frente. Feita de pedra antiga, sustentava-se firme sobre um rio de águas revoltas, que se chocavam contra as rochas ao longo das margens. Nwyn sentiu um aperto no peito ao reconhecê-la. Foi ali que Leny disse ter encontrado o garoto, enrolado em panos ensanguentados. O pensamento fez sua pele se arrepiar, e, quase sem perceber, seus olhos se voltaram para a água.

  O rio parecia mais escuro do que lembrava, talvez pela sombra projetada pela ponte. Mas, entre o jogo de luz e movimento das correntezas, algo chamou sua aten??o: um brilho dourado. Um lampejo rápido, afundando e reaparecendo. A princípio, pensou que fosse uma moeda caída, refletindo a luz do sol. Seu corpo se inclinou levemente para frente, tentando acompanhar o brilho entre as ondula??es.

  A tontura veio de súbito. O mundo pareceu girar ao seu redor, e um peso estranho puxou seu corpo para o lado. O barulho do rio tornou-se distante, como se estivesse mergulhando em um vazio profundo. Antes que pudesse se segurar, seus pés perderam o apoio, e ele caiu da carro?a, batendo no ch?o de pedra da ponte com um baque seco.

  Sua vis?o clareou.

  ...

  ..

  .

  A primeira coisa que percebi ao abrir os olhos foi o céu cinza, manchado pelas sombras da ponte de pedra. O som do rio rugia lá embaixo, e eu ainda podia sentir o tremor do impacto da queda nos ossos. Tentei me mover, mas meu corpo parecia pesado, como se tivesse sido esmagado por alguma for?a invisível.

  Sentia uma press?o sobre meus ombros e uma voz baixa e familiar me chamou:

  — Tá me ouvindo, moleque?

  Era Leny, seu rosto preocupado se inclinando sobre mim. Eu tentei responder, mas minha boca estava seca, e minhas palavras n?o saíram. O mundo estava ainda turvo, e tudo parecia girar.

  Um som distante se aproximou, até que um homem alto e ruivo se abaixou ao meu lado. Ele tinha um olhar de quem estava avaliando a situa??o, olhos atentos, mas com um toque de suavidade, como se estivesse acostumado a lidar com momentos assim. Ele colocou uma m?o firme em meu bra?o, me levantando lentamente, ajudando-me a sentar.

  — Tá tudo bem, garoto? — Perguntou ele com uma voz grave, mas calma.

  This story has been taken without authorization. Report any sightings.

  Eu só consegui balan?ar a cabe?a, n?o tinha palavras ainda.

  O homem se afastou um pouco, e foi aí que vi a mulher ao longe. Ela estava de pé, olhando para mim com uma express?o cautelosa, mas seus olhos eram gentis, como se ela estivesse tentando me entender sem pressa. Ao seu lado, estavam duas crian?as, uma pequena menina com uma boneca de pano abra?ada ao peito e um menino de uns dez anos, parecendo desconfortável com a situa??o, mas mais calmo que a irm?.

  Leny finalmente conseguiu me puxar para a posi??o ereta. Ele resmungou alguma coisa sobre "n?o ser a hora pra esse tipo de coisa", mas eu estava tonto demais para realmente ouvir. A dor ainda latejava em minha cabe?a, e o mundo parecia se arrastar devagar.

  — Vai ficar bem, garoto. — Leny disse, me ajudando a subir na carro?a. Sua voz estava baixa, mas eu podia perceber que ele tentava esconder uma preocupa??o que n?o era de todo falsa. Um lampejo e minha vis?o escureceu por alguns segundos e ent?o...

  ...

  ..

  .

  Nwyn pulou a pont...

  ...

  ..

  .

  Sentei-me no banco da carro?a, tentando me equilibrar, enquanto ele se ajeitava ao meu lado. O homem ruivo e sua família se aproximaram para se despedir.

  — Vamos pro norte. – A mulher disse com um sorriso amável, mas cauteloso. – Lá a gente espera que a situa??o melhore um pouco.

  O homem ruivo, que parecia ser o marido dela, acenou com a cabe?a, e eu vi que a tens?o estava presente no olhar deles. Antes que se afastassem, Leny deu uma última olhada em sua dire??o, parecendo mais sério do que o normal. Ele virou-se para o casal e falou:

  — Cuidado com o que tá acontecendo nos arredores. Os soldados t?o marchando pra aqueles lados. N?o sei o que o Reino tá aprontando, mas fica com os olho aberto.

  A mulher trocou um olhar rápido com o marido, e ambos assentiram em silêncio, parecendo absorver a advertência.

  Com um último gesto de despedida, o casal se afastou, indo em dire??o à estrada que se estendia ao norte. Nossos olhos seguiram-nos por um tempo com as crian?as abanando os bra?os na parte de trás de sua carro?a, até que a figura deles se perdeu de vista entre as árvores e o horizonte.

  Leny fez um movimento com a m?o para as rédeas, e o cavalo relinchou antes de come?ar a avan?ar lentamente. A estrada ainda parecia longa e empoeirada, mas agora, a tens?o que pairava no ar parecia ter aumentado.

  Eu tentei focar nos meus pensamentos, tentando afastar a sensa??o de tontura, mas algo estranho come?ou a acontecer.

  ...

  A vis?o diante de mim parecia se contorcer, como se as bordas do mundo estivessem sendo apagadas, dissolvidas em algo denso e sem forma. O ar ao meu redor ficou pesado, quase como se a gravidade tivesse aumentado de repente, puxando tudo para o fundo. A luz que antes iluminava a estrada se tornava mais fraca, distorcida, como se estivesse sendo engolida por uma névoa invisível.

  Eu sentia o vento ao meu rosto, mas ele n?o parecia mais real, n?o tinha peso. A sensa??o de vertigem me consumia aos poucos. O som das rodas da carro?a desapareceu, sendo substituído por um zumbido baixo, distante, como se o tempo estivesse se esticando, afastando tudo ao meu redor. Eu sabia que algo estava errado, mas n?o conseguia escapar dessa sensa??o de perda, de ser puxado para um lugar que n?o conseguia compreender, para um lugar escuro.

  Eu... me esqueci.

  ...

  ..

  .

  Nwyn piscou várias vezes, e ent?o, de forma repentina, a névoa se desfez. A luz voltou a brilhar com clareza, e os sons se tornaram nítidos novamente — o som das rodas rangendo no caminho de terra, o ressoar das patas do cavalo batendo na estrada, o vento tocando levemente sua pele. O mundo, de alguma forma, estava de volta ao normal. Ele olhou rapidamente ao redor, tentando perceber se o que havia acontecido tinha sido real ou apenas uma alucina??o, mas tudo parecia intacto, como antes. O cavalo ainda avan?ava, imperturbável, suas patas firmes na terra. O cheiro da vegeta??o ao redor parecia mais forte agora, o som dos passarinhos distantes voltando a fazer parte do cenário.

  Ele n?o esqueceu.

Recommended Popular Novels