A luz do sol entrava pelas frestas das cortinas do meu quarto, iluminando o ambiente com um tom ameno. A claridade dan?ava nas paredes, mas eu permanecia na cama, encarando o teto.

  Meu corpo estava mole, minha cabe?a latejava, e a febre fazia minha mente parecer uma po?a nebulosa. Ainda assim, uma coisa era clara: eu tinha vencido.

  Mesmo deitado, a lembran?a daquele momento no palco ainda era vívida. O peso do troféu em minhas m?os, os aplausos ecoando no auditório, os sorrisos dos meus amigos... Era difícil acreditar que tudo aquilo tinha acontecido de verdade.

  Eu tinha derrotado Ryuuji.

  Por tanto tempo, ele parecia um muro insuperável. O jeito arrogante dele, as provoca??es, o olhar que ele sempre lan?ava, como se eu fosse insignificante. Mas, no fim, eu mostrei que ele estava errado. Eu provei que podia fazer isso.

  Ainda assim, as palavras dele voltaram à minha mente, como uma agulha fina perfurando o momento de vitória:

  "Sorte de principiante…"

  Suspirei, passando a m?o na testa quente. Sorte? Era só isso que ele achava? Depois de tudo, ele ainda n?o queria admitir que eu merecia estar lá.

  Minha mente vagou para Arata. Ryuuji teria que se desculpar com ele. Afinal, isso fazia parte da aposta. Mas… o que exatamente estava por trás daquela rela??o? Era óbvio que havia algo mais.

  Sempre que Arata mencionava Ryuuji, havia uma tens?o em sua voz, como se houvesse uma história que ele n?o queria revisitar.

  Eu teria que perguntar para ele. N?o naquele momento, claro. Eu mal conseguia me mexer, quanto mais pensar em alguma conversa complicada.

  Outro ataque de tosse me interrompeu. Minha garganta parecia seca, e meu corpo inteiro pesava como se eu tivesse corrido uma maratona. Tudo por causa da chuva do dia anterior. Eu podia ouvir a voz de Kaori na minha cabe?a, reclamando por eu ter recusado o guarda-chuva.

  — Que ideia brilhante… — murmurei para mim mesmo, tentando mudar de posi??o na cama.

  De repente, ouvi passos no corredor. A porta se abriu com um rangido, revelando Hana com os bra?os cruzados e um olhar de incredulidade.

  — Você ainda tá aí? — perguntou, parecendo genuinamente chocada. — N?o era pra você já estar arrumado?

  — Eu... acho que n?o vou conseguir ir pra escola hoje… t? meio mal — respondi, com a voz rouca e fraca.

  Hana estreitou os olhos, desconfiada, e se aproximou. Antes que eu pudesse protestar, ela colocou a m?o na minha testa.

  — Você tá queimando! — exclamou, quase pulando para trás. — Que febre absurda é essa?!

  Ela saiu correndo, e ouvi a voz dela chamando nossa m?e no andar de baixo.

  — M?e! O Shin tá com febre! Ele tá literalmente derretendo!

  Suspirei, afundando mais na cama, o peso da febre se misturando ao inc?modo da preocupa??o exagerada de Hana.

  Pouco depois, minha m?e entrou no quarto com Hana logo atrás. Ela se aproximou e colocou a m?o na minha testa. Sua express?o séria confirmou o que eu já sabia.

  — Você tá com febre alta. N?o vai pra escola hoje de jeito nenhum! Fique na cama e descanse. Vou ligar pro trabalho e ver se consigo sair mais cedo...

  — N?o precisa, m?e. — protestei, tentando soar despreocupado, embora minha voz ainda estivesse fraca. — é só uma febre. Com um pouco de descanso, eu fico bem.

  Ela me lan?ou um olhar firme, do tipo que só m?es conseguem fazer.

  — Se eu achar que você piorou, vou voltar pra casa imediatamente.

  Hana, ainda ao lado dela, apontou para mim, assumindo uma postura autoritária.

  — E nem pense em tentar escapar, ou eu conto tudo pra Kaori.

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  — Que amea?a... — murmurei, revirando os olhos, mas o sorriso travesso dela conseguiu aliviar um pouco o peso da febre.

  Minha m?e me lan?ou um último olhar preocupado antes de sair do quarto, já pegando o telefone.

  — Hana, vamos. Deixe seu irm?o descansar.

  Hana, porém, fez quest?o de se virar para mim antes de sair, com um sorriso divertido.

  — Melhora logo, mano. N?o quero te ver derrotado assim por causa de uma febre.

  Ent?o a porta se fechou, e o silêncio voltou ao quarto.

  Eu fiquei lá por um tempo que pareceu uma eternidade, o corpo pesado e a dor na cabe?a latejando a cada segundo. As cobertas, que normalmente traziam conforto, pareciam sufocantes, mas o ar frio do quarto fazia com que eu as mantivesse por perto.

  Tentei distrair a mente. Pensei em pegar o controle do videogame que estava na estante ao lado, mas minha vis?o estava turva demais para isso. O simples pensamento de encarar uma tela parecia insuportável.

  Escrever? Nem pensar. Minha mente estava t?o lenta quanto meu corpo, e segurar uma caneta ou digitar no computador parecia o tipo de esfor?o que eu n?o estava disposto a fazer.

  No fim, me contentei em continuar deitado, olhando para o teto. O padr?o das manchas de tinta e os pequenos detalhes que nunca tinham me chamado a aten??o antes se tornaram meu único passatempo. Tentei até contar quantos deles consegui encontrar, mas perdi a conta quando um novo espasmo de tosse me sacudiu.

  O tempo parecia passar devagar demais. A febre fazia cada minuto parecer uma hora, e o tédio era quase t?o insuportável quanto os sintomas.

  Foi ent?o que o som do celular vibrando na mesa ao lado cortou o silêncio abafado do quarto. No início, ignorei. Talvez fosse uma notifica??o qualquer, e o esfor?o de pegar o celular parecia grande demais. Mas ele vibrou novamente, insistente.

  Suspirei, estendi a m?o para a mesa, sentindo os músculos protestarem com o movimento, e peguei o aparelho.

  Era uma mensagem de Seiji.

  "Criei uma oportunidade perfeita para você! Aproveita muito bem hehehe"

  Fiquei confuso. Que tipo de "oportunidade" ele poderia estar falando?

  "Do que você tá falando??" Digitei rapidamente, sentindo um misto de irrita??o e curiosidade.

  A resposta veio quase instantaneamente:

  "Você vai ficar me devendo uma por essa. Me paga um lanche depois, tá?"

  Fechei os olhos e soltei um suspiro pesado. Era típico do Seiji mandar mensagens enigmáticas assim, mas com a febre e a dor de cabe?a, eu n?o estava com paciência para fazer isso.

  "Você tá aprontando alguma coisa, né, Seiji?" pensei, guardando o celular de volta na mesa.

  Voltei a deitar, esperando que o tédio e a febre me deixassem em paz. O tempo parecia se arrastar novamente, e o silêncio do quarto foi preenchido apenas pelo som abafado dos carros passando na rua ao longe.

  Quando finalmente comecei a achar que poderia pegar no sono, o som da campainha ecoou pela casa.

  Arregalei os olhos, surpreso.

  — Quem será? — murmurei, minha voz rouca cortando o silêncio.

  Hana estava na escola, minha m?e no trabalho, e eu n?o estava esperando ninguém.

  Levantei-me lentamente, sentindo as pernas bambas enquanto descia as escadas. O esfor?o parecia maior do que deveria, e minha cabe?a latejava a cada passo.

  — Já vai… — murmurei, mais para mim mesmo do que para quem estivesse do lado de fora.

  Quando finalmente alcancei a porta e a abri, deparei-me com uma vis?o... inesperada. Yuki estava ali, segurando uma pasta de materiais e olhando para mim com aquele sorriso calmo e gentil que parecia iluminar qualquer ambiente.

  Meu rosto ficou quente, e por um momento, fiquei completamente sem palavras.

  — Oi, Shin…

  A voz de Yuki era suave, mas ainda assim me pegou completamente desprevenido.

  — Y-yuki?! — exclamei, sentindo meu rosto esquentar novamente. — O que você tá fazendo aqui?!

  Ela deu um pequeno sorriso, quase tímido, enquanto levantava a pasta de materiais que segurava.

  — O professor entregou esses materiais de estudo. Ele disse que v?o ajudar muito nas provas finais. Seiji me pediu pra trazer até você.

  — Seiji?

  Por um momento, fiquei parado, tentando processar o que estava acontecendo. Minha mente ainda estava turva pela febre e pela surpresa, e a presen?a dela na minha porta parecia surreal. E ent?o, como se tivesse acendido uma lampada na minha cabe?a, as mensagens de Seiji voltaram à mente:

  "Criei uma oportunidade perfeita para você! Aproveita muito bem hehe."

  "Você vai ficar me devendo uma por essa."

  Suspirei, sentindo uma onda de exaspera??o.

  — Ent?o era isso que ele queria dizer… — murmurei para mim mesmo, a voz saindo mais baixa do que eu esperava.

  — O quê? — Yuki inclinou a cabe?a de leve, os olhos brilhando com curiosidade.

  — Ah, n?o é nada — Balancei a cabe?a rapidamente, tentando afastar a imagem de Seiji rindo enquanto planejava tudo isso. — Só… pensando alto.

  Ela inclinou levemente a cabe?a, o olhar dela parecia mais atento agora, como se analisasse cada detalhe do meu rosto.

  — Seu rosto tá vermelho. Tem certeza de que está tudo bem?

  — é só uma febre… — comecei, tentando soar despreocupado, mas minha voz vacilou, fraca. Senti minhas pernas amea?arem ceder enquanto falava. — N?o é… nada...

  A frase ficou incompleta. O mundo à minha volta pareceu inclinar, e, antes que eu percebesse, minha cabe?a tombou, encostando no ombro dela. O calor do contato foi t?o inesperado que, por um breve momento, o constrangimento superou a febre.

  — Ei! Shin! — Yuki exclamou, a voz dela carregada de preocupa??o. Suas m?os me seguraram com firmeza pelos ombros, tentando me estabilizar.

  Eu tentei me afastar, desesperado para recuperar alguma dignidade, mas meu corpo n?o obedecia. Cada tentativa de movimento parecia levar uma eternidade, e a for?a simplesmente n?o estava lá.

  — Desculpa… — murmurei, a vergonha aumentando a cada segundo. Meu rosto parecia em chamas, mas n?o era apenas pela febre. — Acho que exagerei… mas tá tudo bem, eu juro!

  Ela manteve o equilíbrio, apoiando-me com cuidado, mas antes que eu pudesse endireitar o corpo completamente, o ch?o desapareceu sob meus pés. Minhas pernas finalmente cederam, e o peso da febre tomou conta de mim.

  — Shin! — A voz dela foi a última coisa que ouvi antes de tudo escurecer completamente.

  Eu... acabei desmaiando.