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Pesadelos

  O vazio era opressor.

  Eu estava sozinho, segurando um manuscrito que parecia pesar toneladas. As palavras nele come?avam a se desfazer, as letras desbotando e desaparecendo diante dos meus olhos, como tinta sendo lavada pela chuva. N?o importava o quanto eu tentasse segurar aquilo, as páginas escorregavam pelos meus dedos como areia fina, dissolvendo-se no vazio.

  De repente, uma figura surgiu da escurid?o. Era Ryuuji.

  — Você realmente achou que podia competir comigo? — Ele sorria, mas seu tom era ácido, quase cruel. — Que piada.

  Tentei falar, mas minha voz estava presa, sufocada. Tentei segurar as folhas mais forte, querendo provar algo para ele, mas as letras continuavam sumindo.

  — Você trabalhou duro, né? — continuou ele, rindo de maneira amarga. — E para quê? Para decepcionar todo mundo?

  Atrás dele, sombras come?aram a tomar forma. Kaori, Seiji, Rintarou, Takumi, Mai… todos estavam lá, mas n?o como eu conhecia. Seus rostos carregavam express?es vazias, desprovidas de qualquer sinal de apoio ou alegria.

  Kaori deu um passo à frente, sua voz ecoando na escurid?o.

  — Shin… — ela come?ou, quase em um sussurro, mas sua express?o era dura. — Como você p?de nos desapontar assim?

  — A gente confiou em você — acrescentou Seiji, a usual leveza em seu tom agora completamente ausente.

  — Pensamos que você conseguiria, Shin — disse Rintarou, sua voz baixa, quase decepcionada.

  As palavras deles eram como facas, cada uma penetrando mais fundo. Tentei dizer algo, qualquer coisa, mas nada saiu.

  Uma nova voz ecoou pela escurid?o.

  — E o vencedor é… Ryuuji Akagi!

  Olhei para frente, e lá estava ele, no palco iluminado, recebendo aplausos enquanto segurava um troféu brilhante. Seus olhos me encontraram na plateia, e ele sorriu, cheio de superioridade.

  — Melhor sorte na próxima vida, Shin — zombou, antes de se virar para a multid?o e erguer o prêmio acima da cabe?a.

  As folhas nas minhas m?os come?aram a queimar, e eu senti o calor subindo enquanto o papel se transformava em cinzas. N?o conseguia soltar, n?o conseguia fugir. Tudo ao meu redor desapareceu, e eu estava sozinho, segurando o nada.

  Foi quando acordei.

  O som insistente do despertador ecoava no ambiente, cortando o silêncio, mas mesmo isso parecia distante.

  Minha respira??o estava pesada, e meu cora??o batia rápido, como se eu tivesse corrido uma maratona. Ainda meio atordoado, olhei ao redor do quarto, tentando me situar. As sombras familiares dos móveis me trouxeram de volta à realidade, mas a sensa??o opressiva do pesadelo ainda estava lá, como um peso invisível sobre o peito.

  — Só um sonho… Foi apenas um sonho... — murmurei, mais para me convencer do que para realmente acreditar.

  Esfreguei o rosto com as m?os, tentando apagar as imagens que ainda dan?avam na minha mente. A express?o de Ryuuji, o olhar vazio dos meus amigos… tudo parecia t?o real. T?o cruelmente real.

  Suspirei profundamente e joguei as pernas para fora da cama, sentindo o frio do ch?o sob os pés descal?os. A sensa??o me trouxe um pouco de alívio, mas o peso do sonho continuava ali, como uma sombra que n?o me deixava.

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  Quando desci, o aroma quente de café e torradas me envolveu, preenchendo a cozinha com uma sensa??o acolhedora que, naquele momento, eu precisava desesperadamente.

  Minha m?e estava de costas, preparando algo no fog?o, e o som leve de utensílios tilintando enchia o ambiente com uma tranquilidade que parecia t?o distante da minha mente.

  Eu me sentei à mesa, mais cansado do que deveria estar depois de uma noite de sono. Tentei focar na rotina, no simples ato de estar ali, mas o sonho ainda me rondava como uma névoa difícil de dissipar.

  — Bom dia, Shin. — A voz da minha m?e era suave, mas atenta. Ela colocou uma xícara de chá na minha frente e me olhou, examinando meu rosto. — Dormiu bem?

  — Mais ou menos… — respondi, desviando o olhar para a mesa.

  Ela se aproximou, e pude sentir o peso do olhar dela pousando sobre mim, atento a cada detalhe.

  — Você ficou até tarde escrevendo, n?o foi? — perguntou, com uma express?o que misturava preocupa??o e leve reprova??o.

  — Nada demais. Só… organizando algumas coisas do concurso. — Tentei parecer despreocupado, mas minha voz n?o ajudou muito.

  Ela suspirou, inclinando-se levemente para me observar melhor.

  — Shin, eu sei que você tá se esfor?ando, mas se esgotar assim n?o vai te ajudar em nada. Dormir também faz parte de se preparar.

  Seu tom era gentil, mas havia uma firmeza naquelas palavras que me fez parar por um momento. Peguei uma fatia de torrada e dei uma mordida pequena, tentando ignorar o nó que parecia se formar no est?mago.

  — Eu sei, m?e — murmurei entre mordidas, mas minha mente já estava longe, voltando para a cena do sonho.

  Ela n?o insistiu, apenas voltou ao fog?o, mas eu sabia que ela estava preocupada. A verdade era que, naquele momento, eu mesmo n?o sabia como lidar com tudo aquilo.

  A manh? estava clara enquanto eu caminhava para a escola com Seiji, Kaori e Rintarou. O sol parecia mais forte do que o usual, mas a leve brisa que soprava pelas ruas fazia o clima ficar confortável. O som das risadas deles ao meu redor ajudava a manter os pensamentos inquietos à distancia, pelo menos por enquanto.

  — Ei, Shin! — Seiji chamou, sua voz carregada com aquele tom típico de provoca??o. Ele acelerou o passo para me alcan?ar, um sorriso travesso estampado no rosto. — Sobre aquela saída que marcamos… dessa vez, você n?o vai escapar, hein?

  Eu revirei os olhos, mas acabei soltando um suspiro resignado.

  — Vou tentar — murmurei, tentando evitar mais aten??o.

  — Nada de "vou tentar"! Você vai, ponto final! — Ele deu um leve tapa nas minhas costas, como se quisesse refor?ar a ordem. — Mas, falando nisso… quanto tempo falta até o seu grande concurso mesmo? Vamos marcar para quando depois que você vencer.

  Seu tom era casual, mas o sorriso no rosto denunciava que ele sabia exatamente onde estava cutucando.

  Suspirei, sentindo o peso da pergunta antes mesmo de responder.

  — Uma semana.

  Kaori, que vinha caminhando ao meu lado, parou por um segundo, surpresa. Ela trocou um olhar com Rintarou, que, como sempre, parecia mais observador do que alarmado.

  — O quê?! Já tá t?o perto assim? — exclamou Kaori, girando para me encarar. — E como tá indo a história?

  Eu hesitei por um momento antes de responder, sentindo o peso das palavras que estavam prestes a sair.

  — Tá quase terminando… — murmurei, mas o tom da minha voz n?o convenceu ninguém.

  Kaori estreitou os olhos, e Rintarou arqueou uma sobrancelha, cruzando os bra?os.

  — "Quase"? — repetiu Rintarou, colocando uma m?o firme no meu ombro. Seu tom era calmo, mas carregava uma preocupa??o que ele raramente deixava transparecer. — Isso quer dizer que ainda n?o tá pronta.

  A press?o que eu vinha tentando ignorar se tornou mais palpável com a observa??o dele. Passei a m?o pela nuca, sentindo o calor subir ao rosto.

  — T? tentando ajustar o final. Quero que seja impactante, mas… parece que nada funciona.

  Kaori suspirou, cruzando os bra?os enquanto caminhava ao meu lado. Mas, como sempre, seu sorriso tentou aliviar o peso do momento.

  — Você vai conseguir. Ainda tem tempo suficiente — disse ela, com uma convic??o que eu n?o conseguia compartilhar no momento.

  Rintarou assentiu lentamente, com aquele jeito ponderado e reconfortante.

  — é, relaxa. O que importa agora é se concentrar. N?o adianta se apressar e acabar for?ando algo que n?o tá natural. Só pensa com calma.

  Eu queria acreditar neles. De verdade. Mas a press?o do prazo e a constante sensa??o de que ainda n?o era bom o suficiente estavam sempre à espreita. Mesmo assim, me forcei a sorrir.

  As aulas passaram rápido, mas minha mente estava em outro lugar. Os professores pareciam especialmente animados em refor?ar que as provas estavam se aproximando, lembrando que o tempo para estudar estava cada vez mais curto.

  Mas eu n?o tinha tempo para pensar naquilo.

  Enquanto eles explicavam fórmulas e conceitos, minhas anota??es ficavam pela metade, e meus pensamentos voltavam ao concurso. Cada vez que mencionavam prazos ou disciplina, sentia o peso da minha própria meta se acumulando ainda mais.

  Como eu poderia dividir minha aten??o entre os testes e algo que, naquele momento, parecia mais urgente que qualquer prova?

  Era como se o mundo ao meu redor estivesse se desfazendo em segundo plano, enquanto apenas um pensamento dominava minha mente:

  Eu n?o podia falhar.

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