Na manh? daquele último dia, o ar do refeitório estava carregado de uma leve tristeza, mas inevitável. As vozes pareciam abafadas por um certo tom melancólico, como se todos estivessem se despedindo n?o apenas de Kyoto, mas também da alegria intensa e despreocupada da viagem.
A cidade já come?ava a parecer uma lembran?a boa, daquelas que você n?o quer deixar escapar, mas que sabe que eventualmente terá que guardar no passado.
Sentado na mesa, observei o grupo à minha volta com um sorriso discreto.
Kaori, como sempre, atacava o café da manh? com a mesma energia com que havia devorado todas as outras refei??es. Era quase impressionante vê-la assim t?o empenhada, empilhando bolos, doces e até sucos, enquanto Sora, um pouco mais adiante, fazia o mesmo, como se competisse silenciosamente.
— Como você tem apetite para comer isso tudo? — perguntei, olhando para sua bandeja quase transbordando.
Ela riu, ajeitando o cabelo com uma das m?os e pegando uma fatia de p?o com a outra.
— Isso é segredo — respondeu ela, piscando — Quem sabe quando eu vou poder comer um café da manh? desses de novo?
Sora, que normalmente era um pouco mais tímida, mas nunca dispensava um bom prato, observou a pilha de comida que Kaori havia empilhado. Ela ergueu o olhar, dando um pequeno sorriso desafiador, e pegou um peda?o a mais de bolo.
— Kaori... n?o vou deixar você ganhar essa — murmurou ela, um pouco corada, mas claramente decidida.
Kaori deu uma risada animada e, sem perder tempo, mordeu uma torrada como se fosse a última refei??o da sua vida.
— Ah, é assim, ent?o, Sora? Veremos quem é que vai sair daqui com a bandeja vazia! — retrucou com a boca cheia, e um brilho competitivo nos olhos.
A troca entre as duas fez com que Akira e outros amigos rissem, e eu também n?o pude deixar de sorrir. Ver Kaori e Sora encarando o café da manh? com tamanha dedica??o era quase... inspirador.
Ao lado, notei que Seiji também estava diferente. Ele ria e conversava com outros colegas da turma, aparentemente em paz.
Embora eu soubesse que ele ainda carregava as emo??es do dia anterior, havia algo de genuinamente leve nele naquela manh?. Por um instante, nossos olhares se cruzaram, e ele, como que lendo meus pensamentos, deu um sorriso tranquilizador e uma piscadela, tentando mostrar que estava bem – ou pelo menos, quase.
Eu retribuí o sorriso, deixando que ele percebesse que eu estava ao lado dele, independentemente de como estivesse se sentindo.
— Ent?o, Seiji, parece que você voltou ao normal, hein? — brinquei, tomando um gole de chá de cevada.
Ele deu uma risada curta, fingindo orgulho, enquanto pegava um peda?o de p?o.
— Cara, depois de uns dias desses, dá pra ver que o melhor remédio pra qualquer coisa é um bom café da manh?, como esse — ele respondeu, piscando de leve. Ent?o, com um sorriso meio disfar?ado, ele olhou para Kaori e Sora devorando o que havia sobrado na bandeja. — Mas olha, se um dia eu precisar de incentivo pra comer bem, vou só lembrar dessas duas. Sora e Kaori com certeza est?o comendo por todos nós!
A mesa caiu na risada, e ele também.
Kaori, entre uma mordida e outra, fez uma careta para ele.
— Ei, fala sério! Eu só t? aproveitando. E n?o sou a única! — Ela apontou o polegar para Sora, que mordeu o sanduíche com um sorriso, fingindo que n?o era com ela.
O clima leve me ajudou a esquecer, pelo menos naquele momento, que estávamos nos despedindo de Kyoto e que a volta à escola trazia uma realidade mais rígida à espera.
Assim que terminamos o café, o professor Tanaka entrou no refeitório, chamando a aten??o de todos com algumas palmas.
— Certo, turma! Hora de partir. Vamos nos reunir no ?nibus em dez minutos. N?o se atrasem, e lembrem-se de conferir os pertences.
Ao sair do hotel e entrar no ?nibus, olhei pela janela, observando a paisagem de Kyoto come?ar a passar diante de mim. Era estranho pensar que, em pouco tempo, todas aquelas imagens – o santuário, as lojas, as ruas estreitas e cheias de cor – seriam apenas uma lembran?a.
A viagem de volta tinha um clima levemente melancólico, mas, como sempre, havia espa?o para risadas. Kaori, sentada ao meu lado, se encostou no banco com uma express?o sofrida, as m?os pousadas sobre a barriga.
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— Ugh... acho que comi doces o bastante pra um ano inteiro — gemeu ela, com um tom meio arrependido, meio dramático. — Se eu me mexer um único centímetro, sinto que vou explodir aqui mesmo.
Akira, claro, n?o perdeu a oportunidade de provocar. Ele se inclinou para frente, olhando-a com um sorriso exagerado.
— Ah, Kaori, eu te avisei! Agora seu amor pelos doces se voltou contra você! — disse ele, dando um risinho enquanto batia no próprio est?mago. — Olha o que a gula te fez!
Seiji, do outro lado do corredor, riu e se juntou à provoca??o.
— Isso é o que dá tentar competir com Sora em quem come mais — disse enquanto ria — Agora você tá pagando o pre?o por isso.
Kaori fez uma careta, mas logo deu uma risada leve, batendo de leve no ombro de Akira.
— Vocês v?o ver só... na próxima, eu que vou provocar quando estiverem cheios!
Eu ri junto, e o ambiente leve me ajudou a evitar pensar demais. Por algum motivo, mesmo sem uma raz?o específica, eu tinha a sensa??o de que um peso ainda me aguardava.
Chegamos na escola no fim da tarde, e o grupo come?ou a se dispersar, cada um voltando para sua própria casa. Quando passei pelo port?o, vi minha m?e e Hana me esperando. Hana, com um sorriso largo, correu até mim e me abra?ou, e eu me agachei para devolvê-la o gesto.
— Shin! Você trouxe algo de Kyoto? — ela perguntou, os olhos brilhando de expectativa.
Sorri e puxei da mochila uma pequena caixinha que havia comprado para ela. Era um chaveiro com uma miniatura de um torii. Ela pegou o presente como se fosse algo precioso e apertou-o contra o peito, seu sorriso iluminando seu rosto.
— Que lindo! Obrigada! — Ela deu mais um abra?o em mim antes de sair correndo para mostrar o presente para nossa m?e.
Quando chegamos em casa, o cheiro familiar e aconchegante me fez suspirar, e o cansa?o da viagem finalmente come?ou a pesar. Subi para o meu quarto, jogando a mochila no ch?o e me jogando na cama, esperando me sentir completamente em paz depois desses dias cheios.
Mas ao invés de relaxar, senti algo… inc?modo. Fiquei olhando para o teto, ouvindo apenas minha própria respira??o enquanto tentava entender de onde vinha essa sensa??o. Era como um peso vago, algo que eu n?o conseguia identificar.
Dei um suspiro e, numa tentativa de me convencer, murmurei para mim mesmo:
— Se era realmente importante, com certeza eu me lembraria… ent?o n?o é grande coisa...
Com essa última tentativa de convencimento, fechei os olhos, prometendo a mim mesmo que qualquer preocupa??o que surgisse, resolveria no dia seguinte. E finalmente, deixei o sono me alcan?ar.
No dia seguinte, fui para a escola ainda com uma leve sensa??o de que estava esquecendo alguma coisa, mas logo o ambiente e as conversas com os amigos desviaram meus pensamentos.
Caminhava ao lado de Seiji e Rintarou, enquanto comentávamos sobre a volta da viagem e as novidades dos últimos dias. Foi quando paramos no quadro de avisos, onde um grupo de alunos lia atentamente os cartazes coloridos.
— E aí, vamos ver o que tem de novo? — sugeriu Seiji, com curiosidade.
Enquanto eles olhavam de um lado para o outro, meu olhar pousou em um cartaz específico no canto do quadro. "Concurso de Dan?a", dizia o título em letras grandes, acompanhado de imagens e datas.
Eu fiquei parado, encarando a palavra "concurso". Algo nela parecia me puxar de volta, com um peso diferente.
Ent?o, um frio subiu pela minha espinha, e, de repente, me lembrei.
O Concurso de Inverno.
A lembran?a caiu sobre mim como uma onda gelada, e, num segundo, o peso que eu havia ignorado voltou com tudo. Meus pensamentos giraram, e o calor subiu até meu rosto.
Como eu pude esquecer algo t?o importante? As palavras de Ryuuji, o prazo, a press?o… tudo voltou de uma só vez, deixando-me zonzo.
Eu tinha descansado e aproveitado os últimos dias. Depois dos rumores esclarecidos, depois da viagem para Kyoto, parecia que eu tinha finalmente encontrado um equilíbrio, uma paz que n?o sentia havia tempos. Aproveitei tudo t?o intensamente que o concurso praticamente evaporou da minha mente.
E agora, toda aquela paz se tinha desfeito.
Assim que o sinal tocou, me despedi rapidamente de Seiji e Rintarou, inventando uma desculpa qualquer, e praticamente corri para casa.
Chegando no meu quarto, pulei diretamente para o meu computador e o liguei.
— Que droga! Como eu pude esquecer disso?! — murmurei, com as m?os trêmulas enquanto abria a página do concurso no navegador.
A contagem regressiva no canto da tela marcava o tempo restante, e meu cora??o acelerou ao ver o prazo final se aproximando cada vez mais.
E, logo abaixo da contagem, uma frase chamou minha aten??o:
"O tema do Concurso de Escrita de Inverno é: Tema Livre."
Meu peito afundou ainda mais.
Livre? Eles esperavam que eu criasse algo sem dire??o, sem nenhuma orienta??o? N?o ter um tema definido parecia ainda mais difícil do que qualquer exigência rígida. Com um tema livre, qualquer coisa poderia ser dita… ou absolutamente nada.
— E agora, o que eu fa?o?!
A tela parecia zombar de mim, a página em branco era como um abismo, algo que eu precisava preencher, mas que agora me assustava mais do que nunca.
Levantei da cadeira, sentindo o desespero come?ar a tomar conta de mim. Comecei a andar pelo quarto, tentando acalmar a respira??o. Era como se o ch?o estivesse desmoronando, e a press?o de tudo o que aconteceu nos últimos dias se tornava um peso que eu n?o conseguia controlar.
— Calma, calma... — murmurei para mim mesmo.
Olhei em volta, como se esperasse que algo no quarto pudesse me dar uma pista, uma inspira??o, uma ideia que salvasse a situa??o. Minha mente ia desde Yuki até Ryuuji, da escrita para o que eu esperava do concurso, e, por fim, percebi que estava em um beco sem saída.
Depois de alguns minutos, me sentei novamente. Respirei fundo, fechei os olhos e tentei me lembrar por que havia me inscrito no concurso em primeiro lugar. Era uma chance de mostrar o que eu realmente era, quem eu queria ser. Algo só meu, que ninguém poderia tirar.
N?o era apenas sobre a aposta feita com Ryuuji. Era também sobre me provar para mim mesmo.
Abri os olhos e encarei o cursor piscando na tela em branco.
— Se eu quero que algo aconte?a, eu preciso come?ar por algum lugar…
Com uma determina??o renovada, ergui as m?os até o teclado e comecei a digitar, devagar no come?o, hesitante. Mas, à medida que as palavras surgiam, o panico foi dando lugar a uma familiaridade reconfortante. A escrita, o ato de transformar sentimentos em palavras, era o que eu sabia fazer.
Aquela página em branco agora era meu próximo desafio.
Por mais difícil que fosse, sabia que n?o voltaria atrás.