Ah, eu os vejo; gostaria muito que sorrissem... Há alguma forma de ajuda-los?
I
- Um dia você me chamou de louco, muitas eras atrás.
- Eu me lembro, quando você estava indeciso se seria ou n?o um AsaLonga – riu Safiel. – Preocupado agora com minha decis?o?
- N?o estaria, se a sua decis?o fosse essa. Mas n?o é, n?o é mesmo?
- Receio que n?o! Mas, sinto que preciso tentar, que preciso de algo mais.
- Você acha que eu estaria preparado para algo assim? Acha que Ariel estaria, ou Avenon ou Mulo?
Safiel ficou em silêncio, avaliando o rosto do amigo.
- Por isso ainda n?o me decidi, Lázarus. Por isso ainda estou em dúvida. Tenho já quase certo evitar uma pessoa dem?nio ou um dahrar, enquanto meu poder n?o diluir. Mas...
- Você ainda está aberto? Você pode me ouvir?
- Posso Lázarus. E, confesso que preciso te ouvir.
- A escurid?o n?o é o que você pensa, n?o é o que vocês anjos pensam. é mais. Vocês lutam contra ela, vocês a bloqueiam e a empurram, mas n?o a conhecem.
- Eu entendo isso, mas...
- N?o, você n?o entende – interrompeu o outro. – Se fosse apenas entrar na escurid?o, tudo bem. Mas, há um fator que torna tudo muito terrível, que quanto mais fundo se vai na experiência, mais forte fica.
- Eu sei de maya – falou, um cansa?o transparecendo na voz.
- Ent?o agora talvez compreenda – sorriu Lázarus. – Essa é a diferen?a entre saber por conhecimento e saber por experiência. Essa é a diferen?a entre pensar que sabe e saber. Eu tenho irm?o perdidos ali, e muitos outros que se foram, totalmente esquecidos – perguntou. – Posso?
Safiel viu o que ele pretendia, e balan?ou a cabe?a em assentimento, abrindo sua mente para ele.
O toque da mente de Lázarus foi gentil, retirando a tens?o de prote??o que normalmente se instalara.
Foi ent?o que todo o peso brutal caiu sobre sua alma, de uma forma proposital. A escurid?o o inundou, sem reservas, sem limites. Safiel gemeu, e soube no ato de tudo o que Lázarus sentira quando tocara o juguena e o anaquera. Tudo isso estava ali, e muito mais, do muito que ele tocara ao longo das eras.
Sua alma se se ntiu como retalhos numa tempestade pesada num mundo sombrio. O peso era monstruoso. Ent?o ficou ouvindo vozes, lamentos cada vez mais ardentes, pedindo e gritando e exigindo ajuda. Mas ele n?o conseguia mais, porque n?o era nada, n?o tinha nada.
E sentiu garras saindo da lama e se agarrando a ele enquanto relampagos ao longe davam alguma no??o do lugar terrível em que se perdera.
Foi só ent?o que percebeu que aqueles gritos por ajuda n?o eram dos outros, mas dele mesmo.
E se viu se erguendo, monstro de lama que distorcia, afogava e destruía tudo em que tocava, n?o porque fosse essa sua inten??o no início, mas porque era apenas um mudo pedido de ajuda. Foi duro demais quando se viu sozinho, magoado e abandonado, observando uma fúria que crescia.
Ent?o, subitamente, tudo silenciou, e o mundo ficou como novo, algo nunca visto. E ele olhou suas m?os sem saber o que era, nem mesmo como se mover no mundo. E a maldade o alcan?ou porque dela n?o tinha conhecimento, e reagiu errado, mesmo que a bondade o sondasse. E, mais tarde, quando olhou para o céu, em seu íntimo só existia a certeza de um dia iria morrer, e tudo seria esquecido, de quem fora, do que pensara, do que criara, do que sonhara, das marcas que deixara no mundo, vidas e vidas sem fim. Em muitas vezes se viu tocando o que fizera ou destruíra em vidas passadas, sem desconfiar de que fora obra sua. E por tumbas suas ele passaria, e de irm?os faria alimento, para a alma e para o corpo. O peso era sombrio demais.
Respirou fundo, gritando que n?o podia esquecer que os que estavam ali, inimigos, amigos, e qualquer consciência em que tocava, eram irm?os. Mas, sofreu, sabia que assim que descesse ele mesmo lhe tiraria isso.
E essa foi a parte mais terrível e assustadora que o tocou.
Mas ali também a luz do sol, e os inimigos em amigos se tornando, se desculpando, ou se perdendo cada vez mais. Oportunidades e possibilidades, ouvia o vento zunindo no ouvido, passeando veloz pelo mundo.
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Sua alma sofreu e se calou.
Quando Lázarus libertou sua mente Safiel caiu no ch?o de joelhos, arfando, a mente latejando dolorosamente.
- Agora entende, Safiel? Caso aceite se esquecer, como poderá ajudar, se será mais uma voz pedindo ajuda, acreditando que o único tempo que tem para viver está se acabando rápido demais?
Safiel se levantou, uma terrível dor latejando pelos olhos de onde sua alma gemia, e os p?s em Lázarus. Havia admira??o neles.
- Você é um Asa; como conseguiu essa experiência? Você nunca encarnou e se deixou esquecer.
- Eu cuidei de muitos amigos perdidos – sussurrou.
- Como conseguiu? Foi por isso que aceitou ficar, e cuidar da sua família que se ia? é por isso que n?o quer descer na experiência, para cuidar dos que desceram?
- Foi, meu amigo. E só consegui porque... porque...
- Agora entendo a extens?o do amor que tem pela sua família, por Urantia, pela... vida. Obrigado, meu querido irm?o. Eu já me decidi – falou enquanto se desfazia em luz.
II
- Ele se foi? – Ariel perguntou preocupada. – Você conseguiu fazer ele desistir de cair como uma pessoa dem?nio ou dahrar?
- Agora está tudo bem – falou abrindo um sorriso, daqueles que se d?o quando há uma paz imensa na alma.
- Ent?o, para onde ele foi? Onde ele está?
- Ele está com Gaia – falou um anjo descendo com suavidade entre eles. – Ele desceu para o interior do planeta.
Todos se voltaram para ele, maravilhados com seu jeito. Ele tinha um ar sincero e bondoso, envolto numa aura de poder imenso.
- Emanoel... – reconheceu Lázarus, indo até ele e abra?ando-o feliz, no que o anjo o acolheu tomado de alegria.
De repente todos foram até eles, rindo e brincando, e Emanoel se mostrava feliz no meio deles.
- E agora, Emanoel, consegue nos explicar a decis?o dele? – quis saber Ariel, assim que todos deixaram o anjo em paz.
- Ele avaliou todas as possibilidades, e viu o enorme sofrimento por que passa Gaia. é a forma que encontrou de ajudá-la, a forma que encontrou de ajudar todas as consciências que ela chama de filhos.
- E o que o levou a tomar essa decis?o? – perguntou Ariel, uma desconfian?a em sua mente.
- A conversa que Lázarus teve com ele fez uma grande diferen?a.
- Ora, você ainda n?o nos disse nada e...
- Acabei de chegar, Ariel, e ainda n?o tive tempo para dizer sobre a reuni?o com ele – se defendeu detrás de um sorriso simples.
- Tudo bem... Ent?o, como foi essa reuni?o? – perguntou, tomada de curiosidade.
- Foi boa. Ele entendeu.
- Como conseguiu isso? – perguntou Valentina.
- Ele se abriu para mim e eu lhe mostrei o que é a escurid?o. Fui bem enfático nisso - confessou.
- A sua inten??o era boa, Lázarus, mas você poderia ter deixado ele meio enlouquecido. Eu n?o sabia que você trazia tudo isso em sua alma – Emanoel sorriu com ternura para o AsaCortada. – Você sabia que poderia tê-lo perdido bem ali, enquanto ele estava naquele lama?al?
- Eu sabia, mas eu n?o deixaria ele se perder – falou, n?o querendo encarar Ariel que, sabia, devia estar olhando-o com ar de censura.
- Ent?o você se arriscou bem mais do que pude avaliar, meu amigo. Ariel sabe – sorriu com malícia.
- O tempo nos protegeu, porque fomos aprendendo com o tempo – falou Ariel, a voz suave e pensativa.
- é isso! Você aguenta toda essa carga de escurid?o – falou para Lázarus, - tal como vocês, porque vocês foram sendo inoculados com ela pelas longas eras que a experimentam. Mas, n?o era assim com Safiel.
- Está bem, reconhe?o que me arrisquei...
- Mas, ele sabia que era um risco calculado – zombou Avenon, o que fez os outros baixarem a cabe?a, tentando disfar?ar o sorriso.
- No entanto, meu amigo, eu entendo... – continuou Emanoel, os olhos pensativos e até mesmo sérios. - Você n?o arriscou só a ele, n?o foi? – Emanoel reconheceu, os olhos agora atentos na aura de Lázarus, que pulsava bem enfraquecida. – A prote??o com que o envolveu era você mesmo, n?o era?
Ariel se voltou séria para Lázarus, a dor presa nos olhos.
- Outra vez, Lázarus? – gemeu baixinho. - Ah, você precisa, seriamente, parar com isso – Ariel ralhou, nitidamente preocupada com Lázarus. – Você n?o é responsável, n?o pode se arriscar assim, n?o pode nos arriscar assim – falou, a voz triste e abatida. – Quando for tentar salvar alguém assim, você n?o precisa fazer sozinho. Existem outros aqui que podem te ajudar, como nossos amigos dahrars aqui, como sua família aqui, como eu. Olha, você pode até pedir ajuda aos anjos. Você nunca está sozinho. Por que quer fazer tudo sozinho? Por que se arrisca tanto para n?o nos arriscar?
Lázarus, constrangido, baixou a cabe?a, vendo todo o sofrimento e mágoa em Ariel. Família, ficou martelando suavemente na mente, quando ouvira isso pela última vez?
- Ela está com a raz?o, Lázarus – concordou Emanoel, vendo Lázarus, com muita suavidade, segurar em suas m?os as m?os tremulas de Ariel.
Ante o silêncio que se fez a vigilante levantou os olhos, tirou as m?os das do anjo e segurou seu rosto entre elas. Havia tanto carinho e tanto amor que todos baixaram os olhos, comovidos.
- Eu entendo o amor que sente, Lázarus, mas, n?o se esque?a de mim.
- é em você que penso, Ariel. Quero a paz com você, e é por ela que me esfor?o – declarou.
Ariel se aconchegou mais nele e o enla?ou apertado.
– E, ainda tem essa família aqui...
Lázarus suspirou fundo e levantou os olhos para Emanoel, que olhava o grupo com interesse.
- Você sondou o futuro, Emanoel? – perguntou, tentando n?o mostrar a voz triste.
- Sim – o anjo reconheceu, a voz com um timbre um pouco rouco. – A queda dele n?o seria algo bom, nem para ele nem para Gaia. Ele entendeu bem o que você se esfor?ou em mostrar.
- Eu vi isso, uma destrui??o absurda em muitas das linhas que se abriam. O poder dele era muito grande para ser arriscado assim. Compartilhei a escurid?o com ele, e tive que controlá-lo em um determinado momento, porque ele estava querendo aquela experiência. Vi que ele poderia ser um poder inocente, e assim ser usado e arruinado, como muitos anjos foram. Ele, por fim, entendeu o que eu fazia, e me ajudou nisso.
- Mas, n?o era a experiência que ele queria?
- N?o, n?o era... Ele me pediu para falar com ele, para mostrar a ele. Muitos dos que caíram e se perderam terrivelmente, o foram por desconhecerem as possibilidades.
- Ent?o você... – Emanoel se adiantou, fincando os seus olhos nos olhos do AsaCortada.
- Eu mostrei todas as possibilidades para ele, e as consequências... Acha que errei?
Emanoel ficou em silêncio, avaliando Lázarus, avaliando o grupo.
- De forma alguma, meu amigo... Agora entendo porque ele me disse que gostava de ficar olhando vocês – agradeceu, se despedindo com um enorme sorriso iluminando a face.